Ninguém se atreve a dizer asneiras como “esta série é a adaptação de um livro, assim também eu”. Pelo menos, ninguém que já tenha passado os olhos por “Orange Is the New Black”, uma daquelas produções que deveria fazer parte de uma espécie de programa nacional de leitura mas para televisão (fica a ideia). A história já existia: antes do livro, já tinha tudo acontecido a Piper Kerman, americana que foi presa em 2004 por lavagem de dinheiro.
Treze meses de prisão numa cadeia de segurança mínima deram origem a um livro de memórias transformado em best-seller. E Jenji Kohan, no meio disto? Fácil de explicar: transformou o relato de Piper numa brilhante epopeia televisiva e antes do início da segunda temporada já tinha confirmada a produção de uma terceira. Já agora, os 14 novos episódios estão desde ontem disponíveis no Netflix. Certo, o serviço só chega a Portugal em Outubro, mas vamos já preparando o caminho.
Jenji Kohan já tinha bom nome no meio da indústria televisiva. Foi ela que criou “Weeds” (em Portugal passou com o título “Erva”) e criou-a muito bem. Oito temporadas sobre uma mãe viúva, cobiçada por muitos por ser quem era no geral e por uma elogiada dedicação ao negócio da distribuição de canábis em particular. “Weeds”, protagonizada por Marie-Louise Parker, era uma comédia mas também era um drama, um exercício sobre como sobreviver depois de uma tragédia. Emmys, Globos de Ouro, um prémio da Writers Guild of America, Kohan foi a todas.
Para “Orange Is the New Black”, Jenji segue o mesmo princípio. Piper Chapman transportava dinheiro ilegalmente para ajudar a amada Alex Vause (interpretada por Laura Prepon), envolvida em esquemas de tráfico de droga de um antigo namorado. A coisa corre mal e Piper é presa. As fardas da prisão só para mulheres são cor-de--laranja e o resto está na série, dos romances aos guardas, dos tribunais às histórias paralelas de cada uma das detidas.
Créditos iniciais
Era mais ou menos óbvio que Jenji Kohan (nascida a 5 de Julho de 1969 em Los Angeles) fosse parar à televisão. Bem sabemos que isso de escolher os mesmos caminhos da família é bonito e romântico, mas muitas vezes é também mentira. Para Jenji foi verdade. É filha de Buz e Rhea Kohan. Ambos escritores, produtores, argumentistas e vencedores de Emmys.
O início da escrita para televisão aconteceu com dois (agora) clássicos. Jenji fez parte da equipa de “O Príncipe de Bel-Air” (na qual era a única mulher) e “Will & Grace” (em que trabalhou para o irmão, David Kohan). Hoje é aclamada pela crítica, actores e equipas técnicas com quem trabalha e até por colegas, gente com estatuto, com mais que fazer do que perder tempo a dizer que “sim senhora, esta mulher é qualquer coisa”.
Entre as notáveis que o fizeram conta-se Shonda Rhimes, a criadora (a dona daquilo tudo, melhor dizendo) de “Anatomia de Grey”, um dos nomes com mais influência na televisão norte-americana. Foi Rhimes quem escreveu o perfil sobre Kohan para a revista “Time”, integrado na lista das cem pessoas mais influentes: “Uma mulher de negócios inteligente, Jenji foi das primeiras autoras a assinar com o Netflix para produzir conteúdos exclusivos. Isso transformou-a numa precoce agitadora do modelo televisivo que hoje conhecemos. E todos ficámos melhor graças a isso.”
O que sempre tem estado presente nas criações de Jenji Kohan tem sido uma mistura entre o humor e realidades com queda para o drama e a infelicidade. Dizia a argumentista numa recente conferência na Academia de Televisão dos EUA: “É muito importante conseguir estar em ambos os mundos. Não me parece que nada seja totalmente humorístico ou totalmente sério. Lembro-me de ver dramas e pensar que quando não havia humor de nenhum tipo era porque também não havia nenhuma reflexão sobre a realidade.” Também porque lhe interessa este balanço, Kohan faz questão de escolher pessoalmente boa parte dos actores que vão integrar as suas criações, para encontrar as caras e as atitudes certas para a trama que tem planeada.
O que aí vem
Sobre a nova temporada de “Orange Is the New Black”, que ontem se estreou nos EUA, a criadora sempre foi reservada. Em Maio, Jenji Kohan revelou que “será mais leve que a temporada 2, uma série de episódios sobre fé, sobre a maternidade, vai mostrar a progressão das histórias de todas as personagens.”
Até ver, parece um bom plano, até porque conjugar diferentes histórias numa só e torná-las, de alguma forma, aliadas, tem sido um dos prazeres de Kohan. Dizia ela em entrevista à NPR quando “Orange Is the New Black” estava ainda na primeira temporada: “Estou sempre à procura daqueles locais onde podemos fazer chocar pessoas completamente diferentes, para que depois tenham de lidar umas com as outras. Actualmente há muito poucos cruzamentos deste género. Ando à procura desses espaços – uma prisão pareceu-me ser ideal para isso.”
Kohan é casada com Christopher Noxon, escritor que recentemente publicou “Plus One”, livro que conta a história de um autor casado com uma criadora de séries de televisão de sucesso. Jenji já tornou público que, como fez com outras obras do marido, tenciona colocar “Plus One” aqui e ali, em cima de uma mesa ou nas mãos de uma presidiária, durante a quarta temporada de “Orange Is the New Black”. Vamos querer ver isso. Por falar nisso, já dissemos que o Netflix chega em Outubro? Só para confirmar. J