São Cristóvão. Um milhão de euros para salvar a igreja que resistiu ao terramoto

São Cristóvão. Um milhão de euros para salvar a igreja que resistiu ao terramoto


A última ideia do padre da paróquia de São Cristóvão já está em marcha: vender as telhas da igreja.


Pouco tempo depois de chegar à Igreja de São Cristóvão, em Lisboa, o padre Edgar Clara passou a pente fino o arquivo de correspondência dos antecessores. Havia pilhas e pilhas de cartas, a maioria enviada a organismos públicos e com o mesmo pedido de socorro: o monumento, no coração da Mouraria, estava em risco de desaparecer.

Nas últimas décadas, os 44 painéis de Bento Coelho da Silveira, datados do final do século XVII e que cobrem as paredes, emoldurados por talha dourada do tecto até ao chão, resistiram a infiltrações e humidades. Já mal se distingue o que representam. Atrás do altar principal, há estuque a cair e um buraco gigante no tecto. A culpa é de um exército de formigas brancas que, silenciosamente, tomou conta da igreja e se apoderou da talha dourada e de tudo quanto é madeira. Com o passar do tempo, e apesar de nenhuma carta dos padres ter ficado sem resposta, não chegaram quaisquer apoios para fazer obras de recuperação. E a igreja barroca, classificada como monumento de interesse público, está em risco de se perder por completo.

“Todas as entidades se mostram admiradas e preocupadas com o estado de degradação e com o risco de se perder um património valioso”, admite Edgar Clara, que foi parar à paróquia em Outubro de 2010. Mas na hora de abrir os cordões à bolsa, a história é sempre outra: não há dinheiro. No total, são precisos 1,2 milhões de euros para restaurar a igreja e a prioridade, por agora, é mesmo o telhado. “Dificilmente resistirá a uma intempérie”, teme o padre. Para evitar que muito em breve chova dentro do monumento, Edgar Clara inventou com uma ideia peregrina: vender as futuras telhas da igreja. Há sete mil à venda, cada uma por 20 euros. É certo que os compradores não podem levá-las para a casa – vão fazer parte do telhado novo –, mas são convidados a assiná-las e numerá-las com um marcador. Os três primeiros carregamentos já chegaram a SãoCristóvão e o material – que  ainda não está pago – aguarda compradores num dos muitos corredores velhos da igreja.  

arte por são Cristóvão Da Direcção-Geral do Património Cultural nunca chegou apoio financeiro – apesar de a igreja ser uma das mais importantes do seu estilo em Portugal e das poucas de Lisboa que resistiram ao terramoto de 1755. “Mas disponibilizaram-se para ceder o apoio técnico de que necessitaremos para avançar com a intervenção”, ressalva Edgar Clara. Já da câmara vieram 75 mil euros, mas para os conseguir o padre teve de desenhar um projecto e candidatá-lo ao orçamento participativo da autarquia. O dinheiro serve para financiar um projecto de marketing cultural – “Arte por São Cristóvão” –, destinado a divulgar a igreja em Portugal e no estrangeiro e que arrancou há dois meses. Já com resultados à vista: desde 14 de Abril, passaram pela Igreja de São Cristóvão – que agora está aberta todos os dias das 10h às 19h – quase 10 mil visitantes. E só ontem de manhã, fizeram-se 100 visitas guiadas, que estão praticamente esgotadas para os próximos meses. Nada mal para uma igreja que ainda há quatro anos estava fechada devido ao estado de degradação e só abria para a missa do domingo.

crowdfunding Entretanto, também arrancou uma campanha de crowdfunding para conseguir cinco mil euros urgentes e destinados ao restauro da tela do altar-mor – um painel com uma cena da Última Ceia com 2,6 por 4,75 metros da autoria de Bento Coelho da Silveira. A peça está bastante deteriorada, rasgada e a parte de baixo apodreceu. A campanha foi lançada há uma semana na internet e já permitiu angariar mais de mil euros. Em troca da ajuda, os mecenas têm direito a assistir ao restauro ao vivo e a interagir com os técnicos – que na próxima sexta-feira vão visitar a igreja para começar a estudar o painel. Aos poucos, os cofres de São Cristóvão vão enchendo. Na última sexta-feira, um arraial popular rendeu 2400 euros, que se juntaram aos 1100 conseguidos, dias antes, numa noite de fados. E um mecenas anónimo passou um cheque de cinco mil euros no passado fim-de-semana para ajudar a financiar as obras.
 A recolha de fundos continua nos próximos meses, com teatro, noites de fado,  concertos de música sacra, workshops, uma exposição a cargo do curador Paulo Pires do Vale, o lançamento de um livro e seminários. Todas as iniciativas acontecem na igreja e contam com o envolvimento dos moradores da zona – que estão a criar artesanato e inventaram um biscoito com a Cozinha Popular da Mouraria para vender.