Manuel Lopes. “Temos tido uma relação muito difícil com o governo”

Manuel Lopes. “Temos tido uma relação muito difícil com o governo”


Manuel Lopes revela ao i as suas preocupações e faz alertas.


O Coordenador do Observatório Português dos Sistemas de Saúde e investigador na Universidade de Évora, Manuel Lopes, revela ao i as suas preocupações e faz alertas.

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Neste momento qual é a realidade mais preocupante no Serviço Nacional de Saúde?
Qualquer um dos temas que definimos como foco de atenção para o relatório foi escolhido por nos preocupar por isso é difícil eleger um. Seja a política de pessoal quer o acesso a urgências e consultas e cuidados continuados, tudo isso nos preocupa.

O Observatório alerta mais uma vez que não houve a preocupação de monitorizar o efeito da crise na saúde da população. Nada mudou?
Não. Se retomarem as declarações do ministro dos últimos anos, verão que como reacção a todos os relatórios que apresentámos neste período foi “nós vamos monitorizar”, “nós vamos pedir um estudo.” E nada disso aconteceu. Dir-me-ão que o Plano Nacional de Saúde foi avaliado pela Organização Mundial de Saúde. É um facto. Mas uma coisa é um plano, outra coisa é avaliar no terreno o impacto concreto de um conjunto de medidas.

Que estudos faria?
Todos os que permitissem perceber o impacto das medidas de austeridade nas camadas mais desfavorecidas. Estou muito preocupado com os doentes que estão a ser desinstitucionalizados na área da saúde mental e queria saber junto dos doentes e das famílias como é que lidam com essa situação. Gostaria de saber junto das famílias com dependentes a cargo o que é viver sem ter qualquer resposta do serviço de saúde. E perguntaria a todas as pessoas que têm de comprar uma enorme quantidade de medicamentos se estão a comprá-los todos. Temos dados que nos dizem que não. E que critérios usam para comprar uns e não outros. Parece-nos que as pessoas não estão a ir pelo que lhes faz falta mas pelo mais barato.

O relatório do ano passado tinha como título “Síndroma de negação”, uma crítica ao governo. Este é mais conciliador?
Não diria conciliador. O que está em causa é o acesso, que é uma forma de concretizar o direito à saúde consagrado na Constituição. Neste momento há indicadores que nos levam a afirmar que o acesso tem condicionantes de diversa ordem, desde a crise a novos desafios como o envelhecimento e uma alteração epidemiológica, do paradigma da doença aguda para a doença crónica. Nada disto é necessariamente problemático. Problemático é ignorar isto.

Está a dizer que se mantém o síndroma de negação por parte do governo?
Se andamos há vários anos a alertar que os problemas existem, muitas variáveis não estão sequer a ser monitorizadas e outros são negadas, não afirmamos que há negação mas estamos curiosos para ver o que o senhor secretário de Estado vai dizer amanhã [hoje].

Desta vez a presença está mesmo confirmada?
Nos últimos dois anos o governo não aceitou estar na apresentação do relatório. Este ano a presença foi confirmada.

É uma nova fase na relação do Observatório com o governo?
Não sei, vamos ver. A nossa ambição não é sermos anti-poder. A nossa ambição é fazer uma leitura crítica da realidade mas ter uma relação adulta com todos os poderes. Isso é o normal. É essa a relação do observatório europeu com os respectivos poderes, uma relação saudável.

No últimos anos a vossa relação não foi muito saudável.
Concordo e até diria mais: foi muito difícil.