Aos 30 anos, a vida está a acontecer-lhe. No último ano, Sara Prata passou de actriz secundária a principal, ganhou protagonismo na máquina que é a TVI e que serve de sua casa desde a sua estreia nas novelas, em 2005, em “Morangos com Açúcar”.
Determinada, na semana passada venceu o troféu do programa “Dança com as Estrelas”, para o qual foi chamada como substituta, e isso valeu-lhe o carinho do público de forma ímpar. Como disse Alexandra Lencastre, foi atirada aos lobos e virou líder da matilha.
E as lágrimas que chorou, quando saiu de casa dos pais aos 15 anos para estudar teatro, já secaram todas.
Há uma semana, na final de “Dança com as Estrelas” (“DCAE”), na TVI, no momento do anúncio dos resultados, estava com um ar muito sério. Era assim tão importante vencer?
Tornou-se importante. Não pelo prémio em si, mas pelo encerramento de um ciclo. Sou leoa, sou uma mulher de desafios, e queria sentir que o objectivo estava cumprido. Levar aquela taça e poder cruzar-me com ela em minha casa significaria recordar todos os passinhos dados no programa. Ainda assim, nos últimos segundos, o que estava a passar pela minha cabeça era “não vai dar”, ao mesmo tempo que só pensava “por favor, diz o meu nome!”.
Não gosta de perder nem a feijões?
Lembro-me de, em criança, jogar ao Loto a feijões e, mesmo assim, nunca queria perder! Acho que transpus isso para a minha vida adulta. Tenho sempre de fazer o caminho completo, até vencer ou até sentir que consegui uma recompensa.
© Rodrigo Cabrita
Mas lida mal com o insucesso?
Até agora tenho sido muito felizarda e tenho-me sempre sentido recompensada pelos meus esforços. Acho que essa é também a minha forma de lidar com as derrotas: tentar descobrir sempre alguma coisa positiva.
Já definiu o local para pôr a taça?
Sim. Acredito que trazemos para a nossa vida aquilo que chamamos. Antes de sair de casa para a final, escolhi um sítio e disse: “Espero daqui a umas horas colocar aqui algo.” E assim foi. A taça está no corredor entre o quarto e a sala.
O “DCAE” revelou-se uma surpresa para si?
Na vida rotulamos tudo e o rótulo que tinha para o “Dança” era o de programa de entretenimento. Era um programa interessante, com alguns desafios giros, mas não passava de um programa. Fui completamente surpreendida. Ganhei mais do que alguma vez esperava ganhar.
O quê?
Quando era miúda, dançar era um dos itens da minha lista pessoal. Mas tinha-me esquecido de que esse item estava lá para cumprir. E não percebi que, ao aceitar este desafio, iria cumprir esse item. Quando fui convidada, já estava a gravar a novela “A Única Mulher”, que por si só já me ocupava a 100 por cento. Estava receosa de não estar à altura, mas lancei-me à guerra. E, tal como a Alexandra [Lencastre] disse, fui lançada aos lobos e tornei-me líder da matilha. Foi uma surpresa. Ao mesmo tempo, o “Dança” permitiu-me explorar outro lado de actriz, mais ligado ao musical.
“Ficámos todos com uma armadura gigante. Os ‘Morangos’, ao mesmo tempo que nos esmagaram, tornaram--nos gigantes”
Mesmo a dançar, nunca deixou de ser actriz?
Nunca! Entreguei-me de alma e coração e tenho recebido mensagens incríveis. No meu percurso de actriz, quando me cruzava com as pessoas, recebia o seu carinho. Mas desta vez senti que as pessoas tinham mesmo necessidade de vir ter comigo para partilharem aquilo que tinham sentido.
Há algum momento que não esqueça?
Imensos. Tanto recebi mensagens que diziam apenas “Olá! Gosto muito de ti. Continua!” como recebi histórias de vida. Até de profissionais da dança recebi mensagens. Queriam agradecer-me por ter respeitado a sua profissão.
Disse que o “DCAE” a fez pensar no passado. Quando pensa na sua infância, em Setúbal, a dança esteve lá sempre?
Não foi tanto a dança, que foi algo que ficou por fazer. Mas fiz ginástica acrobática no Vitória de Setúbal dos cinco anos até aos 15. Nessa altura abdiquei da ginástica e foquei-me no teatro. Mas fui sempre uma miúda superactiva. Andava na ginástica, nos escuteiros, tinha uma rádio com a minha irmã. Não parava. Tinha um kit de primeiros socorros e sempre que chegava a casa lesionada, em vez de ir ao hospital, tratava de mim. Lembro-me perfeitamente de a minha mãe me dizer: “Sara, tu és uma menina, não podes estar sempre a fazer piruetas porque estás sempre com as cuecas de fora, filha!”
Sempre foi muito senhora do seu nariz?
Sim, sempre fui muito independente. Os meus pais passavam o dia a trabalhar, eu tinha a minha chave de casa e ia à minha vida. A maior felicidade era ir para a minha avó e passear no campo, com os cães. Desaparecia durante horas! Os meus pais sempre me deram liberdade e confiança. Tanto que, aos 15 anos, quando disse que queria ir para Cascais estudar teatro, o meu pai disse “ai, ai” e a minha mãe disse “vai, vai”.
Em que momento percebeu que queria ser actriz?
Tínhamos o Teatro de Animação de Setúbal (TAS), e Setúbal é uma cidade com muita cultura e, sobretudo, muitos actores. Sei o momento exacto em que me apaixonei pelo teatro. Foi quando fui ver uma peça ao TAS com o Miguel [Assis] em que ele fazia de rato e aparecia em vários sítios da sala. Lembro-me que essa capacidade de ele aparecer num sítio e logo depois noutro, esse mundo fantástico, teve um significado especial para mim. Queria perceber como se fazia, queria ser como ele.
© Rodrigo Cabrita
Não poderia ter estudado em Setúbal?
As opções em Setúbal eram primárias, teria de seguir o ensino corrente e só no 11.o teria teatro. Eu queria estudar as bases, os grandes dramaturgos. Fui fazer audições à Escola de Almada, à Escola Profissional de Teatro de Cascais e ao Chapitô. Entrei nas três. Mas logo no dia do casting, a escola de Cascais demonstrou muita vontade em ter-me lá, o que fez com que fosse fácil escolher.
Percebeu logo que não era praticável continuar a viver em Setúbal?
Hoje parece fácil mas, há 15 anos, apanhar o autocarro de Setúbal para Cascais era um acontecimento. Logo no dia do casting, a escola deu aos meus pais uma lista de casas com quartos para alugar. Fiquei em casa de uma senhora que me fazia sopas e o resto da comida era a minha mãe que me enviava, dividida em caixas com os dias da semana. Os meus pais deram-me um telemóvel e eu levei o meu peluche e arrumei o quarto a meu gosto, para me sentir amparada. Não me lembro do dia em que fiquei em Cascais, mas a minha mãe diz que foi uma choradeira.
A verdade é que era apenas uma miúda de 15 anos. Passou muitas noites a chorar?
Acho que nem tinha grande consciência da dimensão da coisa. Quando somos novos, não há aquele medo que nos esmaga. O meu medo era não ouvir o despertador tocar de manhã. Mas claro que todos temos dias complicados… Lembro-me de um dia me sentir perdida e ligar aos meus pais. Acho que foi a viagem mais rápida da vida deles para virem ter comigo. Ou outra vez que me enganei nos horários dos autocarros e dei por mim à meia--noite, carregada de malas, na Praça de Espanha, em Lisboa. Em três anos, foram dois ou três momentos mais difíceis. Tinha o apoio dos meus professores: o Carlos Avilez, o João Vasco. Prometeram aos meus pais que eu estaria sempre bem entregue e senti-me sempre protegida. O Carlos dava-me conselhos quase de pai.
Encontrou um ambiente muito diferente do que tinha no liceu em Setúbal?
Totalmente diferente! Eram pessoas mais velhas que andavam de calças pretas e transportavam livros gigantes, enquanto eu lia banda desenhada. Senti que tinha de me adaptar. E como era a mais nova, tive muitas ajudas. Ainda hoje, quando me cruzo com colegas, oiço um “Sarinha”. Tive de entrar numa sociedade diferente, mas com a qual me identificava. Por exemplo, era aluna de 3 e 4 e a minha mãe andava sempre a apertar comigo com os estudos. Chego à escola de teatro e tinha nota máxima a tudo. Lembro-me que a minha mãe me disse: “Massacrei-te tanto com a Matemática e a Físico-química e, afinal, essa não era a tua área.”
“Estou numa estrada paralela, mas não me sinto a abdicar de algo só porque não fui atrás do sonho americano”
A sua estreia acontece ainda enquanto aluna?
A cada módulo íamos tendo exercícios, o primeiro foi o “Hamlet”. Lembro-me que pintei o cabelo de preto e parecia um cadáver! Mas, na minha cabeça, a minha estreia acontece com a prova de aptidão profissional, no final do curso. Foi a “Salomé”, do Oscar Wilde. Lembro-me de uma coisa mágica. O texto fala de uma lua vermelha, uma premonição de que o rei iria morrer. E, no dia antes da prova, a lua estava vermelha! No final da apresentação, o Carlos virou-se para mim, disse “olá, colega!” e convidou-me para o Teatro Experimental de Cascais (TEC). Foi a minha estreia com público e como profissional. Era uma peça brutalíssima, com mais de três horas: “O Casamento”, do Witold Gombrowicz. Só sentia que ia vomitar.
Quanto tempo ficou no TEC?
Acabei a escola em 2001 e entrei nos “Morangos” em 2005, portanto foram cerca de quatro anos.
Nesses anos já pensava na televisão?
Não queria ficar apenas pelo teatro, ainda que essa fosse a minha base. Ainda hoje quero tocar todas as áreas da representação e espero que o meu passo seguinte seja o cinema. Estava bem no TEC, mas senti que estava na altura de me mexer. E mexi. Andei de pastinha debaixo do braço a entregar fotos, fui às agências, fui a castings e fiquei nos “Morangos com Açúcar”.
Como é que os seus colegas do TEC reagiram?
O Carlos ficou muito orgulhoso. E depois, nos “Morangos”, tive a sorte gigante de a minha mãe ser a Ana Zanatti. É uma mulher extraordinária, um monstro de actriz, com uma cultura brutal. Levava–me livros para eu ler. A Ana mostrou-me a forma correcta de estar neste meio.
Entra na série na terceira temporada. Já tinha noção do fenómeno?
Mais ou menos. Na altura não consumia “Morangos”. Lembro-me perfeitamente de ter sido chamada para o casting e pensar que tinha de ir ver o que era para saber o que pretendiam de mim.
© Rodrigo Cabrita
Nunca se sentiu engolida pelos “Morangos”?
Senti. Muitas vezes se diz que os “Morangos” foram uma escola, mas acho que não se deve entender isso no sentido de infantário. Consigo diferenciar os actores que passaram pelos “Morangos”. Ficámos todos com uma armadura gigante. Não era fácil entrar no Coliseu, onde estavam milhares de pessoas a gritarem o nosso nome, não era fácil gravar 12 horas por dia de segunda a sábado… Foi uma experiência única. Os “Morangos”, ao mesmo tempo que nos esmagaram, tornaram-nos gigantes.
Ainda assim, mortes como a de Francisco Adam permitiram perceber o lado destrutivo da série?
Não eram os “Morangos” que eram destrutivos, era o quanto vendíamos. O produto “Morangos com Açúcar” foi das marcas com mais força no nosso país. Todos os produtos em que tocávamos, tudo o que vestíamos, esgotava. Os próprios actores, enquanto produtos, vendiam muito. Qualquer notícia nossa era vendável. Tivemos os títulos mais fortes e mais chocantes.
Sentiu isso na pele?
Não senti como outras pessoas porque eu era a Becas, tinha os dreads todos do meu lado! E mesmo assim, ainda tive situações complicadas. Um dia, em Setúbal, levei uma cabeçada de um rapaz que poucas raparigas conseguiriam suportar. Os “Morangos” tinham uma dimensão tão grande que era como se eu não fosse dona de mim própria.
Nesse período teve um contrato de exclusividade com a TVI que deixou de existir. Porquê?
Foi uma opção da empresa não renovar alguns dos contratos de exclusividade, permanecem muito poucos. Mas a minha ligação ao canal permanece intacta. Não sinto nada que a TVI não tenha vontade de trabalhar comigo. Pelo contrário. Sinto que cada vez temos projectos mais interessantes.
A exclusividade não a assusta? Ou, pelo contrário, traz-lhe um sentimento de segurança?
Ser actor é das profissões mais incertas, trabalhamos num trampolim sem sabermos se temos rede. Sempre vi o contrato de exclusividade não como uma corda que sufoca, mas como uma barra de sustentação que permite trabalhar sem medos.
Já teve pausas na carreira, nomeadamente entre 2007 e 2009. Isso ajudou-a a ter essa noção da importância de ter essa rede?
Sim. Curiosamente, nessa altura em que parei, tinha contrato. Mas senti que precisava de estudar, por isso fui para os EUA. São fases. Olho para trás e todo o meu percurso foi sendo construído. Quero que o meu caminho seja contínuo e longo. Não trabalho para o imediato nem para o espontâneo.
O que recorda dessa experiência nos EUA?
Fui estudar para a escola da Ivana Chubbuck, que usa o método Stanislavski. Lembro-me que uma das coisas que abordávamos era que não precisamos de chorar, temos é de estar predispostos a isso. Por vezes, com a rotina, deixamos de estar disponíveis. Na correria da vida, os nossos egos vêm ao de cima. Preciso de me abstrair para me lembrar da coisa mais básica: o actor tem de estar disponível.
Ponderou ficar nos EUA?
Não tenho essa coisa de Hollywood. Acho que seria errado da minha parte, uma vez que tenho trabalho no meu país, que tenho família e que sou feliz. Se um dia surgir, não digo que não. Estou numa estrada paralela, mas não me sinto a abdicar de algo só porque não fui atrás do sonho americano.
O fim de muitos dos contratos de exclusividade da TVI abriu espaço a uma dança de cadeiras entre o canal de Queluz e a SIC. Já sentiu o assédio da SIC?
Não. As pessoas que hoje em dia trabalham na SIC foram as pessoas com quem comecei, como é o caso da Gabriela Sobral. Há uma grande relação pessoal por detrás dos canais e acho que essas são as relações que temos de manter. Neste momento tenho um compromisso gigante com a TVI. O José Eduardo Moniz tem sido um marco no meu percurso, alguém de quem já tive o prazer de receber palavras muito positivas.
Sente que está numa fase de afirmação?
Acho que é isso mesmo. Há pouco tempo perguntaram-me se este era o meu ano. Não sei se é o meu ano, mas sei que este ano estou a fazer coisas muito boas. Sinto que é um ano de confirmação e de objectivos cumpridos.
É como se até agora tivesse sido actriz secundária e finalmente está a assumir o papel principal?
Sim, talvez. No entanto, acho cruel a forma como Portugal tem essa definição de actor secundário. Nos EUA são os supporting actors. Sempre me senti num papel de suporte, mas estava confortável porque o suporte permite que a acção principal exista. Talvez esteja agora a tomar as rédeas de uma história principal. Mas na minha vida sempre fui essa história principal.
Desde a estreia nos “Morangos com Açúcar”, deu quase sempre vida a personagens cómicas ou boazinhas. Agora, em “A Única Mulher”, é Daniela, uma acompanhante de luxo e mãe solteira. Como foi a preparação desta personagem?
Fui para Alfama e para a Mouraria, escondidinha nos cafés a tirar notas. E houve uma coisa que ficou muito clara para mim: aquelas casas são todas muito próximas, as pessoas almoçam todas juntas e não têm segredos porque não dá. Se eu sair às 2 horas, o vizinho vai saber. Foi a partir daí que comecei a desenvolver um lado da Daniela que é “se toda a gente vai saber o meu segredo, então vão saber pela minha boca”. Além disto, recorri a mães solteiras que conheço. A Daniela vai buscar um bocadinho de cada personagem que já fiz. Nós, actores, somos um saco de emoções e de memórias afectivas.
Pela primeira vez, aos 30 anos, está a interpretar uma mãe. A propósito desses mesmos 30 anos disse que sentia muitas angústias…
Sim, mas entretanto os meses passaram, já vou a caminho dos 31, e as angústias foram ficando para trás. Há uma série de questões que nos assomam e nos obrigam a pensar, mas depois seguimos caminho. Essas angústias estão mais calmas.
O facto de ser uma mulher bonita, sempre sob escrutínio do público, traz uma pressão acrescida?
Há sempre expectativa dos outros. Mas quanto mais consciência tiver disso, mais tranquila fico. Tal como tratava uma peça que fiz, chamada “Há Muitas Razões Para Querer Ser Bonita”, as pessoas vêem uma mulher bonita e automaticamente acham que ela tem de ser feliz. De facto, sou feliz e talvez isso me torne mais bonita, mas também tenho momentos em que não sou. E não me torturo com isso.
E também já não se tortura quando vê a sua vida amorosa nas capas das revistas?
É uma consequência. Há uma parte de mim que aceitei que seria pública, mas há outra que é pessoal. E desse lado privado, continuo a escrever a minha história.