Trinta anos depois do casamento, há “sombras na história de sucesso”

Trinta anos depois do casamento, há “sombras na história de sucesso”


Mas o país tem “vantagens e hipóteses”, garante o alemão social-democrata Martin Schulz, presidente do Parlamento Europeu.Presidente do Parlamento Europeu recorda as promessas não cumpridas a Portugal e Espanha.


Não é só o matrimónio de Portugal com a União Europeia que está em crise. Trinta anos depois de Lisboa assinar o tratado de adesão à então CEE, todo o bloco europeu, agora a 28 vozes, está a atravessá-la, pelo que cortejar os portugueses e o resto dos Estados-membros parece ser a única bóia que ainda impede o sonho europeu de se afundar.

{relacionados}

Será talvez essa a razão pela qual as instituições europeias têm, por exemplo, evitado endurecer a postura em relação à Hungria, que recentemente trouxe ao Parlamento Europeu uma proposta de reintrodução da pena de morte na UE e cujo governo de Viktor Órban mantém em vigor emendas à Constituição, ignorando os avisos de que são “contrárias aos valores da União”. 

Essa foi uma das questões em cima da mesa no plenário do PE em Estrasburgo por estes dias, mas pouco ou nada se avançou nas pressões ao Estado-membro, numa semana em que os eurodeputados se debruçaram sobre os direitos humanos numa Turquia em ebulição política, as crescentes tensões com a Rússia e o TTIP – cuja votação foi suspensa por haver mais de 200 emendas e dois votos a fazerem pender a balança para o adiamento.

Presidente do Parlamento Europeu recorda as promessas não cumpridas a Portugal e Espanha

A grande excepção foi a corrupção “endémica” na FIFA, que originou uma dura resolução aprovada pela maioria dos deputados, quiçá numa tentativa de trazer para a Europa o Mundial de Futebol de 2018, até agora a ser organizado pela Rússia e cuja atribuição ao país está sob investigação pelas autoridades suíças.

As votações aconteceram na quarta-feira, 10 de Junho, ainda sem acordo entre a Grécia e os credores, no mesmo dia em que Martin Schulz recebeu os jornalistas portugueses, no 15.° piso do parlamento a que preside, para falar sobre o 30.° aniversário da adesão de Portugal (e Espanha) à UE. Dia de Camões, lembrou o alemão da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (S&D), três décadas depois de “enormes alterações” em Portugal. Sugeriu que se olhe “para as universidades, para as empresas, para Lisboa, Porto, Coimbra e a costa algarvia”. “Verão que o país se desenvolveu enormemente.” 

19,46% – Taxa de inflação em Portugal no ano da adesão do país à CEE

O entusiasmo veio com um “mas”, a que chama sombra. “Nos últimos cinco anos apareceu uma sombra nesta história de sucesso. Os cidadãos comuns, especialmente jovens desempregados, tiveram de pagar com as suas oportunidades de vida uma crise provocada por outras pessoas irresponsáveis.” Acabaria por especificar que “pessoas”: os “especuladores que fazem milhões em lucros sem pagar impostos”, mas que “no momento em que perdem milhões, têm de ser os contribuintes a pagar as perdas” deles. “Esse não é o desejo dos cidadãos europeus, e eu apoio isso, temos de mudar, temos de introduzir mais igualdade e justiça.” E uma das suas sugestões é que se crie um “sistema fiscal comum que esclareça que o país do lucro é o país do imposto”.

No início da semana, o presidente do PE tinha falado em “promessas não cumpridas feitas a Portugal e Espanha” há três décadas, quando aderiram ao então clube dos 12. “A democracia estabilizou-se e os direitos individuais dos cidadãos foram garantidos depois de anos de ditadura.”

169 mil – Era o número de portugueses com mais de 65 anos que estavam a trabalhar   

Mas “a UE foi uma promessa de mais igualdade e justiça, crescimento e empregos, segurança e democracia, e olhando para as vidas dos cidadãos comuns vemos que todos os dias isso diminui”. Contrariar essa tendência e as “forças dentro da Europa que são antidemocráticas”, concluiu, “é o que temos de fazer nos próximos anos”. Isso e reforçar o crescimento económico, apostando nos jovens, no chamado plano Juncker (que deverá ser aprovado no PE já a 24 de Junho) e nas vantagens dos países da península Ibérica.

“Acredito fortemente nas hipóteses da economia portuguesa. Portugal é um país muito interessante e um dos mais importantes mercados do mundo é a América Latina que, embora não satisfaça toda a gente, está muito ligada a Portugal e Espanha.”

Durante essa manhã, na cimeira de 42 países da América Central, do Sul e Caribe a decorrer em Bruxelas, foi apresentada a proposta para instalar novos cabos ópticos submarinos a ligar Lisboa a Fortaleza, no Brasil, em mais um estreitamento das relações a que Schulz chama “vantagens ibéricas” – pelas quais diz que “não reduziria todo o debate sobre trocas comerciais na Europa ao acordo transatlântico com os Estados Unidos” (o famigerado TTIP, cada vez mais encaminhado na UE para um aparente chumbo sem retorno), afagando o ego da ponta ocidental europeia na efeméride das suas adesões.

95,8 euros – Salário Mínimo Nacional para os trabalhadores por conta de outrem na indústria e nos serviços

Uma tentativa válida de cortejo a Portugal, numa altura em que se fala cada vez mais de desintegração e em que as cisões parecem ser mais fortes que a união. Horas depois da conversa com o líder do PE (que não escapou a perguntas sobre a Grécia, sublinhando que o acordo que for alcançado nos próximos dias “será apenas uma solução de curto prazo” e que não se deve cortar mais nas pensões), os 30 anos da adesão voltaram à mesa de debate com os líderes portugueses de cada bancada parlamentar.

Entre agendas apertadas e uma discussão mais centrada em política interna, a poucos meses das legislativas e presidenciais, Paulo Rangel e Nuno Melo, do Partido Popular Europeu (PPE), e Carlos Zorrinho, do S&D, focaram-se nos pontos positivos, contra o independente Marinho e Pinto, e João Ferreira e Marisa Matias, da Esquerda Unida/Verdes, que ligaram a integração de Portugal na UE à crise do bloco, aos “problemas” que a moeda única trouxe e às sucessivas políticas internas do arco da governação, que “delapidaram vários sectores da economia portuguesa”.

4198 – Do total de livros publicados nesse ano em Portugal, 921 foram traduzidos 

O consenso entre todos, da direita à esquerda, foi precisamente o de que a Europa está em crise. Acabou por ser Marisa Matias quem melhor sumarizou, ao jeito de um conselheiro matrimonial, os problemas da relação, criticando o “positivismo em torno de uma união que não existe” e que Cavaco exaltara horas antes, no discurso do Dia de Portugal. “Em 30 anos ganhou a divergência e neste momento tenho dúvidas de que se possa sobreviver a isto.”