The Witcher 3: Wild Hunt – Análise

The Witcher 3: Wild Hunt – Análise


A derradeira jornada de Geralt?


Proponho começar com uma hipótese arrojada, que passa por colocar o mundo de fantasia de The Witcher, aquele que conhecemos dos videojogos, em paralelo com O Senhor dos Anéis no cinema e Game of Thrones na televisão. É verdade que todos são uma representação audiovisual de obras literárias, a matéria-prima inegavelmente, mas esqueçamos isso por um momento.

Se há algo que estes três universos têm em comum, além dos exacerbados valores de produção, é a diversidade. Esta não diz respeito apenas à estética, mas a uma verdadeira e notória mistura de culturas, estilos arquitectónicos, credos, raças, estilos de vida, fauna, flora, enfim, são mundos cuidadosamente montados, capazes de transmitir a sensação de estarem vivos, de continuarem, mesmo quando lá não estamos.

Isto não é nada fácil de montar, não digo pré-conceptualizar, até porque qualquer produtor gostaria de incluir o máximo de elementos nos seus jogos. Refiro-me sim, à possibilidade de o fazerem, já que é algo que requer um imenso investimento e muito tempo de produção. A CD Projekt RED é uma produtora especial, porque sempre foi daquelas que faz um jogo de cada vez, dando-lhes a atenção merecida, até estar ao nível adequado para o mercado. Ainda assim, a companhia polaca era, até há pouco tempo, desconhecida da grande maioria do público. Mesmo o Assassins of Kings foi um título de "nicho" até chegar à Xbox 360.

The Witcher 3: Wild Hunt é um monstro diferente e a prová-lo está a fantástica recepção que tem registado por parte do público. Aconteça o que acontecer daqui para a frente, estou certo que na História do estúdio, haverá um claro “antes” e um “depois” do lançamento terceira aventura de Geralt. As primeiras amostras que vimos do jogo revelaram uma ambição quase desmedida, especialmente considerando que a produtora iria abrir em definitivo o seu trabalho a outras plataformas Mesmo com o natural ajuste visual que isso provocou, em escala, The Witcher 3 é das maiores obras que o meio já conheceu, por isso a minha hipótese inicial.

Na História do estúdio, haverá um claro “antes” e um “depois” do lançamento terceira aventura de Geralt.

Geralt já não esconde grandes segredos, mas a história deste terceiro jogo é mais próxima ao protagonista, mais pessoal se quiserem, seja pela relação com Vesemir, Yennefer ou Ciri, pela ameaça da Wild Hunt, ou pelas tarefas como “caçador de monstros”, o principal papel de um Witcher afinal de contas. O segmento inicial, que é naturalmente um tutorial disfarçado, foi muito bem montado, com o objectivo de “mostrar em vez de explicar”, o clássico “aprender fazendo” se quiserem. É muito importante existir enquadramento para aprendermos a base do combate, a estrutura das missões, a conduzir a barata (nem sequer estou a brincar, Roach é mesmo o nome do cavalo) ou a trabalhar com a alquimia e sistema de progressão.

Isto é algo que o jogo faz com mestria, quase tudo é enquadrado. Claro que continuamos confrontados com objectivos que parecem caídos do céu – “queres informações? Ajuda-me a encontrar X pessoa”, um clássico dos RPGs, mas a credibilidade das personagens é notória, assim como são as suas origens e diferenças culturais, parem um momento para ouvir as preocupações de um cidadão comum, e não demora muito até que simpatizem ou comecem a odiar o homem. Isto acontece porque todos os habitantes do gigantesco mundo de The Witcher 3 têm a sua própria agenda, as suas motivações e os seus medos.

A única coisa que todos parecem ter em comum é o raio do sotaque britânico, afinal, parece que todos os povos de língua inglesa têm este preconceito de que tudo é mais credível com o sotaque “original”. Não podemos dizer o mesmo em relação à língua de Camões.

As primeiras horas de um RPG deste género são excelentes, se nos agarrar, cresce-nos uma vontade debaixo das unhas de não deixar uma pedra por virar, uma alma por conhecer. O problema vem mais tarde, quando somos atropelados por opções, uma montanha russa de conteúdo, que a acompanhar traz uma imensidão de loot, que me causa sempre um enorme dificuldade de discernimento, “isto é tudo útil?”, devo vender ou será que precisarei destas coisas mais tarde?

Normalmente, os RPG utilizam duas formas de contornar o risco de serem avassaladores e precisarem de tempo para “formar” os jogadores – ou os agarram pelo sistema (os antigos Final Fantasy faziam isto com mestria), ou pelo mundo, claramente a opção de The Witcher. Isto é notório desde logo, com a primeira cinemática adornada por uma poderosa banda-sonora que nos levanta os pelos dos braços e transmite uma clara ideia do que é possível numa terra mágica como esta. Só um pequeno aparte, parem de cortar cavalos a meio, primeiro foi o Sir Gregor Clegane, agora isto…

A estrutura do jogo é tão meticulosamente preparada como é previsível. Felizmente Geralt já não arranca as hostilidades amnésicas, somos antes nós, o jogador, quem tem mais perguntas do que respostas em relação ao que aconteceu com a vida amorosa do protagonista, ou com a sua antiga aluna e protegida. Abre sexualmente sugestivo como costume e é bastante rápido a introduzir o ato dramático, estabilizando anos depois, em 1272.

A vida de um Witcher não é simples, especialmente num tempo em que a distinção entre o bem e o mal é tão relativa, não deviam ter um livro sagrado que ensinasse as ovelhas o caminho até ao conforto? Rapidamente ficamos presos na atmosfera do mundo, que apesar de gigantesco em escala, nunca nos deixa desamparados. Não se trata de uma aventura demasiado orientada, mas passamos a vida confrontados com escolhas interessantes, sempre com o sistema a apontar para uma alternativa.

Roubamos ou não roubamos, matamos ou não matamos, seguimos o lorde ou ajudamos o mendigo, o maior trunfo de The Witcher 3 foi o de apresentar um mundo de fantasia que esconde uma sociedade real, onde sentimos que somos apenas mais uma, no meio de tantas vidas em andamento. E não são apenas missões secundárias que descansam à nossa espera, muito do que acontece é emergente e dependente da nossa interacção com o mundo, habituámos-mos a percorrer os trilhos certos quando não queremos problemas, mas facilmente podemos encontrar um grupo de mercenários a pilhar uma casa, atacando-nos quando passamos. A decisão sobre o que fazer está depois na mão de cada um.

Os milhares de diálogos, tantas vezes criticáveis num meio interactivo, são outro dos exemplos da mestria da produção. O argumento é sempre muito bem escrito e quase sempre interpretado, com a necessária fidelidade que conquista o compromisso emocional, mas do que o funcional, do jogador. Levei o primeiro grande "estalo" poucas horas depois do início de jogo, durante uma cena em que os nossos serviços são requisitados por um lorde local, cuja mulher e filha desapareceram misteriosamente. Sem spoilers, quando Geralt descobre finalmente o sucedido e o tal lorde o conduz ao exterior, vão perceber do que estou a falar.

Suponho que este momento ainda seja obrigatório para todos, mas depois o jogo vai-se ramificando, nem sempre conquistando a nossa atenção para arcos secundários. Temos aqueles objectivos mais genéricos, como descobrir o paradeiro ou identidade de um ladrão, preparar uma poção ou outra coisa qualquer para que um npc aceite colaborar com os nossos desígnios. Mas em sentido oposto, existem alguns casos em que um arco secundários se revela de tal forma interessante, que nos compromete ao longo de várias horas, ao ponto em que nos esquecemos do bolo global e ficamos desiludidos quando terminamos.

Somos afectados com o “empowerment” de controlar alguém com o histórico de Geralt of Rivia desde o primeiro momento, mas é aconselhável sermos cuidadosos, especialmente antes de melhorarmos o nosso equipamento (raio da arma está sempre a precisar de reparação). O combate é uma clara evolução do que conhecerão do segundo jogo, continua um pouco desastrado durante as esquivas e nos momentos em que queremos usar os signs, mas como termo de comparação, é amplamente superior ao anterior.

Não é fácil porque cada inimigo possui as suas particularidades, alguns deles dão-nos uma janela muito curta para investir, outros aconselham a utilização de um tipo muito particular de óleo para facilitar a coisa, mas apesar desta aparente diversidade, não consigo evitar ficar com a sensação que com pequenos ajustes à câmara e às esquivas de Geralt, tudo podia ser ainda mais gratificante.

O sistema de progressão, dividido em categorias nas mini árvores de talentos, traz-nos um modelo já um pouco ultrapassado, com vantagens que representam um incremento de poder numérico, clássico dos RPGs no PC, mas cujo design tem sido abandonado ou disfarçado nos últimos anos, mesmo nos MMO’s, que tipicamente se apoiavam neste sistema para permitir que os jogadores “atropelassem” o conteúdo, investindo apenas tempo e dedicação.

Está dividido entre combate, signs, alquimia e características mais gerais, com a

possibilidade de obtermos um aumento da percentagem de dano no ataque rápido lento, melhorias de capacidades com a besta, ou um ampliar dos efeitos de cada sign. A progressão é praticamente ilimitada, e por isso compreende-se que quisessem ser cuidadosos para não transformar Geralt num deus antes da hora, estamos a falar de um título single-player afinal. O que define verdadeiramente as nossas capacidades são as armas e equipamento ao nosso dispor, essas são mesmo o principal atractivo para vestirmos a pele de caçador de monstros em missões secundárias, e a verdadeira razão da subida de nível.

Tecnicamente, The Witcher 3 não é o jogo que nos prometeram. Isto não representa uma surpresa, mas não deixa de ter sido um facto altamente criticável pelos jogadores, em especial os veteranos da série. Comecei a minha aventura no PC, e depois de algumas horas de jogo, decidi dar uma hipótese ao conforto da versão consola, só para desistir minutos depois, voltando para versão que estava a jogar antes.

Os controlos funcionam bem com o comando, em especial o combate, a interacção com o mundo por vezes é irritante por exigir um meticuloso posicionamento para fazermos o pretendido, algo facilitado pela curta distância que mantemos do monitor em oposição à televisão. O tamanho do texto foi também pensado, claramente, para a versão PC, penso que já corrigiram isso, mas era praticamente impossível ler os textos a mais de 2 metros do ecrã. Depois claro, os visuais e fluidez de jogo são notoriamente superiores no PC com um GPU decente. A profundidade e escala do mundo não apresenta grandes diferenças entre as duas versões, essas notam-se sim, nos detalhes a curta distância e na vivacidade das cores, num mundo que esconde diferentes paletes, dos pântanos de Velen às florestas de Novigrad.

No seu âmago, The Witcher 3 é uma história de amor, não apenas daquele que floresce entre um homem e uma mulher, mas do maior amor de todos, o paternal. É um lado de Geralt que ainda não tinha sido explorado, a figura de Ciri é fantástica e dá uma autêntica chapada de luva branca aos críticos que se revoltam com a forma como a série tratava/representava as mulheres. Atrevo-me a dizer que nasceu material para mais uma trilogia, desta vez com Cirilla como protagonista, se assim desejarem.

Esta não só está brilhantemente caracterizada, como é uma lupa para o interior de Geralt, é mais do que uma filha adoptiva para ele, é o seu destino, desde que a conheceu, até aos tempos que passaram em Kaer Morhen. No seu sangue esconde-se um importante segredo que dá o mote ao desenrolar dos acontecimentos, mas isso é apenas um pormenor, Geralt está preparado para mover montanhas por ela.

Veredicto

The Witcher 3: Wild Hunt é imediatamente candidato a jogo do ano, mesmo com algumas limitações e problemas técnicos, que me atrevo a dizer, seriam inevitáveis numa obra desta magnitude. Consegue mistura a fórmula sandbox, onde tempos montanhas de actividades para nos entreterem (incluindo o jogo de cartas Gwent) e personagens verdadeiramente interessantes para conhecer, com uma história de uma crueza deliciosa e um pragmatismo cada vez mais valorizado no entretenimento.

9.7 / 10

*Artigo escrito por Aníbal Gonçalves, da IGN Portugal.