Num dos últimos episódios da série francesa (muito interessante, diga-se de passagem) “Engrenages”, a passar na RTP2 com o título “Um Crime, um Castigo”, dois advogados falam num bar e um aborda o tema da verdade. O outro, cáustico experimentado, surpreende-se: “Verdade? Isso é o quê? Um novo conceito? Se alguém pronunciar essa palavra num tribunal, revolte-se!”
A verdade anda, portanto, um pouco arredada dos processos judiciais e não é só em Portugal. Veja-se o caso da FIFA, que deve ser um ancestral antro de corruptos, presidido sucessivamente por João Havelange e Joseph Blatter, dois sujeitos “acima de toda a suspeita”, mas que agora surgiu maculado aos olhos de toda a gente quando o FBI resolveu intervir e fazer uma drástica limpeza nos seus quadros. Só se soube agora da corrupção ou esta era já do conhecimento das autoridades mas só deu jeito exibi-la agora, para funcionar como ameaça aos mundiais da Rússia e do Qatar? Começa a imaginar-se muita ligação entre política e justiça, entre casos que ficam debaixo do tapete até ser útil sacudir o pó e pôr a descoberto as misérias, começam a descobrir-se muitos esqueletos nos armários que só são colocados ao ar livre em circunstâncias julgadas pertinentes.
Por outras bandas, passam-se coisas que parecem justificar paralelismos, tais as similitudes. José Sócrates é preso com estardalhaço mediático em vésperas de um congresso do PS. Estranho. É convidado a regressar a casa com trela electrónica quando o PS está novamente em congresso. Muito estranho. Será que vai ser acusado durante a campanha eleitoral? Então seria mesmo muito, muito estranho.
Depois, ainda há mais algumas coincidências que não deixam de surpreender. Estão os partidos PSD/CDS no governo e José Sócrates é preso. Mas anda por aí muito boa gente laranjinha ou azul-e-amarela à solta, quando se sabe o que se sabe. Será que se o PS for governo também vai haver prisões no PSD e CDS? A serem verdade as acusações, então seria saudável a alternância governativa dos partidos do chamado arco do poder. Seria uma boa forma de pôr em prática a sabedoria popular: ora agora levas tu, ora agora levo eu e, num clima de sã alternativa, fazer-se a limpeza do sistema.
Escreve à sexta-feira