Maria Helena jura que sabe do que fala. Andou na escola com Isaltino Morais, em Mirandela, e por isso pode atestar que o ex-presidente é “um homem genuíno e verdadeiro”. Só tem um problema: “É um bocado rabo de saias”. Namorou uma prima dela, mas não havia maneira de a pedir em casamento e a rapariga, cansada de esperar, acabou por emigrar para o Brasil.
Os dramas de família são “águas passadas” e a antiga desenhadora da câmara de Lisboa foi “apoiar o presidente” à sessão de autógrafos de ontem, ao final da tarde, na FNAC de Oeiras. A jogar em casa, Isaltino Morais esbanjou cumprimentos e falou do livro “A minha prisão” – um exercício de “reflexão” sobre “a corrupção do sistema” e “os poderes absolutos”. A começar pelos juízes, cujo poder não é escrutinado: “São infalíveis, quais deuses”.
Críticas e acusações
Durante quase uma hora, o ex-presidente de Oeiras disparou em todas as direcções. Do sistema prisional – que “não respeita a dignidade dos que, justa ou injustamente, estão presos” – à ministra da Justiça, que “não zela pela paz” nas cadeias.
Sem esquecer as greves “constantes” dos guardas prisionais, que retiram aos reclusos “os seus já reduzidos direitos” e desestabilizam as prisões. “Os guardas gostam de motins e de pancadaria, especialmente com reclusos, para que o poder político sinta que são poucos”, atirou Isaltino. Já o funcionamento da Justiça em Portugal também não se recomenda. “Condena-se por convicção” e, como escreveu um dia Pinto Monteiro, “os jornalistas julgam na praça pública e os magistrados, pressionados, condenam”. Enquanto isso, a classe política “esconde-se na separação de poderes e “ninguém escrutina os juízes quando violam a lei”. O sistema judicial, garantiu Isaltino à plateia, é “uma corporação tenebrosa em que ninguém toca”.
Inocência
Isaltino insistiu que foi preso apesar de a Autoridade Tributária se ter “certificado que não tinha dívidas ao Fisco” e atirou-se aos que o prenderam: “Em, Portugal é possível um juiz de primeira instância tomar uma decisão desrespeitando uma decisão de um tribunal superior e não lhe acontecer nada”. No final de tudo, todos os magistrados que participaram no processo “foram promovidos”.
Contou como a procuradora Leonor Furtado, titular do processo, lhe pediu, na década de 1990, “para meter uma cunhazinha ao Cavaco porque gostava de ser directora-geral ou como a juíza Carla Cardador era “novinha” e o procurador Luís Eloy – “o magistrado do copianço no CEJ” – foi promovido a subdirector do Centro de Estudos Judiciários. “Quem me meteu na prisão não foram os políticos que não gostavam de mim. Esses limitaram-se a pressionar os magistrados, juntamente com a comunicação social. E os magistrados não se podem deixar pressionar”, acusou.
É por estas e por outras que Isaltino garante que as cadeias “estão cheias de inocentes”. Como aliás comprova o artigo recente da revista “Sábado” que revela uma conversa entre Rosário Teixeira e José Sócrates. “O procurador faz uma figura triste porque não diz de que factos é acusado José Sócrates. Não imaginam a quantidade de Sócrates e Isaltinos que há nas prisões. Em Portugal abusa-se da prisão preventiva”, assegurou. No final, e antes dos autógrafos, o ex-presidente de Oeiras deixou um aviso: “E se isto lhe acontece a si? Nós pensamos que só acontece aos outros, mas pode acontecer a nós”.
Maria Helena, a prima da noiva, não duvida das palavras de Isaltino. A prisão é “um caso político” e o presidente é “um homem de futuro” – “senão não tinha mandado construir o repuxo de Paço d’Arcos”. E mesmo que não seja inocente, “quantos outros, que fizeram pior, não estão por aí à solta?”.
“Há quem tenha feito pior e esteja solto. Já viu o Ricardo Salgado? O Oliveira e Costa? Destruíram famílias e houve quem se tenha suicidado pelo que fizeram. Por causa do Isaltino Morais nunca ninguém se suicidou”, acrescenta Isabel, assistente de marketing e a primeira a chegar à loja. “Quem não tem telhados de vidro?”, pergunta.
Um autarca ingénuo
Em Oeiras, diz Carina, que levou a filha adolescente à sessão de autógrafos, conta-se que o ex-presidente pode muito bem ter sido vítima “da forma ingénua como confiou nas pessoas” próximas. “Diz–se que foi acusado por causa de uma guerra de ciúmes entre mulheres”. Será então Isaltino um homem inocente? A resposta, garante, é indiferente: “As pessoas só querem viver bem e Oeiras é um concelho com uma grande qualidade de vida graças ao Isaltino”. De tal forma que, desde que o autarca se foi embora, “a recolha do lixo piorou imenso”.
Pires Costa, que vive há 40 anos em Carnaxide, também foi atrás de um autógrafo e teve de correr entre uma consulta no hospital Amadora-Sintra e a loja de Oeiras. O sacrifício justifica-se porque, assegura, Isaltino é inocente: “Quando há documentos que mostram que não havia qualquer dívida ao Fisco só se pode concluir que se trata de um caso político e de vingança do PSD”. Mesmo ao lado, Justino Barbosa confessa que o assunto da prisão do “presidente que baniu as barracas de Oeiras” lhe mexe com o sistema nervoso: “Estou todo arrepiado. A prisão de um homem bom é uma coisa que me irrita”.