Feira do Livro.  Estas oito pessoas têm cara de livro

Feira do Livro. Estas oito pessoas têm cara de livro


Ei-lo: o último fim-de-semana da Feira do Livro começa hoje. 


Antes que o Parque Eduardo VII fosse invadido pela multidão, passámos por lá, à hora de almoço, para perceber quem percorre estas páginas e o que procura. Numa tarde de chuva, nem sempre foi fácil convencer os leitores a contarem-nos a sua história, nada que não se tenha resolvido. Novos e velhos, todos carregam sacos com as obras que vão levar para a mesa-de-cabeceira, mesmo que alguns nem gostem de ler e que outros tenham vindo só para adquirir livros de estudo. São os nossos tempos, o que importa é ler.

João Guerreiro, 62 anos 
Há caminhares que não enganam. João Guerreiro é um desses casos. Conhece o Parque Eduardo VII de cor, tantas foram as vezes que já percorreu estes terrenos. “Tenho 62 anos, comecei a vir à Feira do Livro a partir dos 30, quando se começa a acalmar”, conta. Algo que não significa que só por essa altura tenha começado a ler: “Li muito na juventude, quase todos os autores portugueses, acho que faz falta”, avisa. João não gosta de confusões, por isso veio cedo à Feira do Livro. Do seu saco com alguns livros escolheu “O Segredo do Espadão”, de As Aventuras de Blake e Mortimer, de E. P. Jacobs. Banda desenhada é com ele.

Cristina Borges, 36 anos
Se há coisa à qual não estamos habituados é questionarem a nossa caligrafia a meio de um vox pop, mas tudo bem. Cristina Borges estava com vergonha, mas lá aceitou falar connosco e posar com um dos livros que comprou: “Como Tornar-se Doente Mental”, de José Luís Pio Abreu. Não estranhe, pois esta lisboeta é hipnóloga clínica de profissão. São essas as temáticas que guardam os livros que carrega – compras profissionais, portanto. Cristina passeia–se sozinha em plena hora de almoço, coisa que passa a explicar: “Hoje tinha tempo disponível e aproveitei. Adoro vir sozinha. Quando venho com a família é uma confusão”, confessa. 

Isabel Martins, 57 anos 
Há quem esteja só para ver e há quem não descanse enquanto não conhece todos os livros da banca. Isabel Martins voltou à Feira do Livro dois dias depois de ter estado por aqui, tudo para trocar um livro. Vai daí, troca e baldroca geraram um resultado expectável num viciado em literatura: mais livros para casa. “A Arte da Simplicidade”, de Dominique Loreau, é o livro que escolheu para aparecer na fotografia, mas Isabel, por norma, costuma andar por zonas de espionagem, essas histórias que têm tido tanto sucesso. À despedida confessa que gosta muito da Feira do Livro. Afinal, conhece-a desde miúda, à boleia dos pais. 

Pietro Dardano, 24 anos
“Comprei porque é um arquitecto de que gosto e porque estava a bom preço”, diz Pietro Dardano de “Barragán”, livro sobre o arquitecto mexicano Luis Barragán. De fala curta, este italiano que por cá esteve um ano, em modo Erasmus, é um estreante na Feira do Livro. A namorada portuguesa – talvez seja amiga e isto não caia bem, mas ainda assim decidimos arriscar – convidou-o e ele aceitou. “Viemos só dar uma volta, não procuramos nada de específico. Na verdade, nem sequer leio muito. Gosto dos clássicos, isso sim.” A semana de férias em Portugal está a acabar, mas Pietro já tem um souvenir para levar para casa. E, acredite ou não, o Castelo de São Jorge não está lá.

Vítor Ramos, 65 anos 
A reforma trouxe-lhe mais tempo para folhear as páginas, mas Vítor Ramos não é novo por aqui. “Trabalhei na Rua Castilho durante muitos anos, tenho vindo quase sempre. Falhei alguns anos, por opção, para não me sentir tentado a comprar.” Este indicador de distúrbio – dos bons para a vida, maus para a carteira, como qualquer vício – é reflexo de uma série de autores que tem como referência: Daniel Silva e Domingos Amaral, entre outros. O livro que carrega é o quinto volume da saga de fantasia “Acacia”, de David Anthony Durham, que tem acompanhado desde o início. “Nesta idade prefiro ler coisas leves, já tenho preocupações que cheguem”, remata.

Mariana Santos, 20 anos 
Encurralámos Mariana para a impedir de dizer não a esta reportagem. Quando reparou, o namorado soltou um “vais ser entrevistada?”, como que a gozar com a sua timidez. Sem grandes demoras, Mariana afirma: “Não é a primeira vez que venho. Procuro livros para estudar e para oferecer à família e amigos, não para mim. Não gosto muito de ler.” Percebe-se pelo que anda a estudar – estatística – e pelo pânico que parece demonstrar perto de uma máquina fotográfica. O “Astérix Entre os Pictos” é uma prenda do namorado – leitor de serviço neste caso – para o sogro, que esperemos não veja este artigo antes do tempo. Se assim for, pedimos desculpa, mas não há reembolso.

César da Silveira, 34 anos 
Quando alguém carrega um trólei em plena Feira do Livro, algo não bate certo. Dois dedos de conversa chegam para perceber: César da Silveira está de passagem por Lisboa. “Estou aqui para levar a maior quantidade de livros que conseguir para Angola”, conta o assessor de comunicação, com curso de jornalista. “É a primeira vez que venho. Tirando os preços, estou a gostar bastante”, diz antes de anunciar o seu gosto por música, filosofia e pintura, temáticas que lhe preenchem o tal trólei de livros. Segura “Pierre-Auguste Renoir, Meu Pai”, de Jean Renoir, a vida de um pintor que lhe agrada particularmente contada pelo filho. Boa viagem de regresso.

José Carlos Silva, 21 anos
Um jovem que carrega dois sacos cheios de livros pesados. É um sinal, pensamos nós. Em cheio. José Carlos Silva percorre a feira em busca dos chamados calhamaços que o ajudem no mestrado em Direito das Empresas. Ainda assim, quando tem tempo para fazer repousar os códigos civis e penais, gosta de ler policiais. “Não tenho grande fixação por um autor, gosto de ler um bom policial”, admite. “Quando a Noite Cai”, de Nelson DeMille, é o único livro não jurídico que carrega e que foi escolhido sem problemas para surgir no retrato. À despedida desejamos boa sorte a José para o mestrado. A julgar pela quantidade de livros… não deve ser pêra doce.