12 de Junho de 1985. Mário Soares, já demissionário do primeiro e até agora único governo do bloco central, assinou, com pompa e circunstância, o tratado de adesão de Portugal à CEE nos Jerónimos. O primeiro-ministro, à frente de uma comitiva que integrava outros membros do governo, como Rui Machete, Jaime Gama e Ernâni Lopes, formalizou, no Mosteiro dos Jerónimos, a entrada do país no projecto europeu. E conseguiu disfarçar as divergências com Cavaco Silva, que já depois da morte de Mota Pinto quis influenciar o resultado final das negociações. Opaís tornou-se assim no 11.º membro da Comunidade Económica Europeia, logo seguido da Espanha, que assinou nesse mesmo dia à tarde a sua adesão.
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Na véspera, a deputada Ilda Figueiredo lançou um violento ataque no Parlamento à forma como tinham decorrido as negociações e ainda ao facto de os deputados desconhecerem “por completo os termos” em que estavam redigidos os documentos, segundo conta o “Diário de Lisboa”.
“Recordo-me muito bem desse dia”, diz ao i Joaquim Ferreira do Amaral, então ministro do Comércio. “Estive presente na assinatura. E lembro-me também da dificuldade das negociações. No último momento, tinha-se embrulhado tudo, porque havia algumas questões que o PSD, já com Cavaco Silva na liderança, questionou e foi preciso rever”.
Ferreira do Amaral destaca particularmente as dificuldades que Espanha e Portugal tiveram de ultrapassar bilateralmente para poderem entrar em simultâneo na Europa, numa época em que os países viviam de costas voltadas. “Hoje acho que as negociações acabaram por não ser tão úteis como se julgava. As regras comunitárias eram para nós quase desconhecidas. E a questão da agricultura era muito complexa, todo o regime europeu não tinha nada a ver com o nosso, que desde o 25 de Abril era caótico”. O antigo governante situa ainda Mário Soares e Cavaco Silva no xadrez político da altura. “O Dr. Mário Soares tinha uma visão muito política da adesão. Já o professor Cavaco também partilhava desse ideal, mas tinha a noção de que havia problemas económicos muito graves por trás”.
Uma posição partilhada pela Confederação da Indústria Portuguesa, à frente da qual estava Pedro Ferraz da Costa. “A CIP deve ter sido das primeiras organizações a manifestar-se a favor da adesão, porque isso significaria uma segurança jurídica de direitos de propriedade para os empresários que tinham acabado de sair de um processo de nacionalizações sem pagamento e de ocupações de terra”, recorda Ferraz da Costa. “Mas também sempre defendemos que os problemas derivados das nacionalizações deviam ser resolvidos antes de entrarmos, porque era a única forma de os agentes económicos nacionais poderem ter algum peso na economia portuguesa. Porque depois iríamos ter uma classe empresarial extremamente descapitalizada e uma série de agentes económicos de outros países a quererem entrar para se aproveitarem do alargamento dos mercados”. A confederação que representa o patronato português esteve ausente da cerimónia, por discordar do timing e das condições em que a entrada foi feita.
Os 30% de peso dos têxteis
João de Deus Pinheiro lembra-se sobretudo do tempo em que Portugal já tinha poder de decisão como membro pleno da CEE, o que só aconteceu a partir de 1 de Janeiro de 1986. “Havia nessa altura uma grande sintonia no governo e uma grande preparação das restantes equipas, inclusive as de secretários de Estado. Foi um período altamente fecundo, e por isso ganhámos rapidamente a fama de sermos os tais ’bons alunos’. Apesar de estarmos lá há pouco tempo, foi elogioso, porque na realidade as coisas não foram exactamente assim”, recorda.
O antigo Comissário Europeu realça a estratégia concertada entre Cavaco Silva, Vítor Martins e ele próprio, e recorda um episódio em particular: a avaliação do peso dos têxteis na economia nacional. “Em Portugal não havia quaisquer dados”, diz. “Então o Vítor Martins e eu dissemos um para o outro que era preciso achar aqui números. E concluímos que devia rondar os 30% na economia e os 35% na mão de obra. Pouco depois, o comissário da Concorrência, Frans Andriessen, pegou nos mesmos dados e passaram a ser oficiais. Foi a partir daí que começaram as célebres negociações que levaram ao nascimento do PEDIP”, o programa que apoiou a indústria portuguesa. Outro caso envolveu o então ministro da Agricultura, Álvaro Barreto, que estava a bloquear as negociações da PAC, argumentando com uma leguminosa que nem sequer era produzida em Portugal.
“As negociações na agricultura prolongavam-se pela noite dentro, todos os ministros tinham camas ou sofás-cama nas delegações. Um dia, o Frans Andriessen veio ter comigo e eu perguntei ao Álvaro porque é que ele estava a ter aquela posição. Respondeu-me que queira mais quotas para as vacas dos Açores e para o cabrito maltês. O Frans cedeu, mas ao fim de umas horas voltou pela mesma razão”. Deus Pinheiro ligou de novo a Álvaro Barreto, que se justificou: “eles deram-nos aquilo com demasiada facilidade, certamente podem dar mais”.
A ex-eurodeputada comunista Ilda Figueiredo prefere pôr a tónica no que não nos foi dado. “Hoje, passados 30 anos, somos levados a concluir que não havia pacote financeiro que cobrisse toda a destruição da agricultura, das pescas e da indústria que originou a entrada de Portugal na CEE”, defende.