Reino Unido. Referendo europeu deixa Cameron sem margem de manobra

Reino Unido. Referendo europeu deixa Cameron sem margem de manobra


Especialistas entendem que o primeiro-ministro corre um risco elevado ao insistir na revisão dos tratados, e também já não pode fugir às promessas.


A maioria absoluta do Partido Conservador nas últimas eleições deu ao primeiro-ministro britânico luz verde para convocar um referendo sobre a manutenção do Reino Unido na União Europeia. No primeiro discurso, David Cameron confirmou a realização do escrutínio em 2017. Os primeiros dias do novo mandato foram marcados por um périplo por vários países europeus para tentar obter apoios dos principais chefes de governo. A chanceler alemã, Angela Merkel, afirmou publicamente que queria trabalhar em conjunto com Londres na reforma dos tratados europeus. No entanto, alguns países do leste europeu e os membros do parlamento comunitário criticaram a insistência de David Cameron. No plano interno, o Partido Trabalhista tem sido a única voz contra as propostas políticas do actual chefe de governo. 

A vontade de David Cameron esbarra nos obstáculos levantados pelos países europeus mais poderosos, mas também nas dificuldades internas. Nos últimos dias, Cameron fez um ultimato aos seus ministros para falarem a uma só voz quando forem abordados pela comunicação social. O processo que começa nas negociações com os parceiros europeus e termina na realização do referendo tem inúmeras contrariedades. A professora da Universidade de Surrey Maxine David não tem dúvidas de que “o processo de negociações será complicado porque Cameron não se tem empenhado em falar com os países reformistas”. 

A docente entende que “neste momento David Cameron não tem o apoio de que necessita”. Por outro lado, o docente da London School of Economics Tim Oliver assegura que “se perder a votação, tem de se demitir, já que uma saída do Reino Unido da União Europeia representa um falhanço para o primeiro-ministro”. Oliver acrescenta que “alguns ministros vão abandonar o governo antes de terminar o mandato, em 2020”. 

A data da consulta popular pode ser antecipada para 2016. Tim Oliver prefere que se realize no próximo ano porque “no final do mandato, os governos costumam ter baixos níveis de popularidade”. Contudo, existem dois problemas difíceis de ultrapassar. O primeiro é a aprovação da lei do referendo na Câmara dos Lordes, já que os conservadores não têm a maioria absoluta e a oposição, em particular o Partido Trabalhista, não é a favor do escrutínio. O segundo está relacionado com a rapidez das negociações com os parceiros europeus. O docente londrino afirma que “o primeiro-ministro deve alcançar rapidamente um acordo, mas os países europeus têm interesse em atrasar o processo negocial”. Nesta altura, o governo britânico não tem condições para recuar na promessa que fez aos seus eleitores. Maxine David entende que “mesmo sem o apoio do Partido Trabalhista, o executivo tem de cumprir o que foi prometido”. 

As razões para David Cameron ter iniciado a discussão europeia são conhecidas. Tim Oliver destaca a “pressão das empresas britânicas para continuarem a ter acesso ao mercado único”. 

Consequências A saída do Reino Unido da União Europeia implica custos económicos e políticos para os britânicos. Tim Oliver considera que “as consequências serão económicas mas também políticas, devido às relações com os aliados”. A aliança entre Londres e Washington fica afectada caso os britânicos optem por votar favoravelmente no próximo referendo. O professor acredita que a União Europeia corre o risco de ser “menos aberta e liberal, além de perder influência nas relações transatlânticas”.

População A vontade da população britânica passa por continuar na União Europeia. Uma sondagem divulgada pelo Yougov.com revela que 55% dos britânicos pretendem que o Reino Unido fique no clube europeu. No entanto, existem questões que preocupam as pessoas. A imigração e a soberania encabeçam as prioridades que devem ser objecto de discussão por parte do governo britânico. 

Negociações O primeiro objectivo de David Cameron é tentar alcançar um acordo com os parceiros europeus. A eurodeputada socialista Maria João Rodrigues explica que “o primeiro-ministro pretende regressar ao Reino Unido dizendo que conseguiu a revisão dos tratados, mas mantendo o referendo”. No seu entendimento, este plano coloca “pressão sobre os parceiros europeus e a população britânica”. O resultado das negociações é um trunfo que o primeiro-ministro vai utilizar para influenciar o sentido de voto dos britânicos. Maxine David considera que “as pessoas vão decidir consoante as propostas obtidas em Bruxelas”.  

O governo liderado por David Cameron tem várias exigências em cima da mesa. Tim Oliver identifica as principais medidas que serão apresentadas à União Europeia: a primeira visa evitar a criação de uma zona euro que isole a economia do Reino Unido; em segundo lugar, a devolução de soberania, que reforce o papel dos parlamentos nacionais; por fim, o incentivo às trocas comerciais entre os Estados-membros, mas também com as maiores potências mundiais. 

O cenário de ruptura entre o Reino Unido e a União Europeia só será uma realidade quando nenhuma das partes estiver disposta a fazer mais cedências. Cada protagonista não está em posição de fazer chantagem perante o outro. No entendimento de Maxine David, a “União Europeia tem vantagem nas negociações para fazer menos cedências, enquanto David Cameron tem de perceber e respeitar o contexto das mesmas”, o que representa “estar preparado para deixar cair algumas propostas”. A resposta dos responsáveis europeus às exigências britânicas tem interesse para os restantes Estados–membros. Maxine David acredita que “se a União Europeia ceder muito, também terá de aceitar os pedidos dos outros países”. 

Os académicos britânicos divergem sobre a necessidade de mais apoio por parte de Bruxelas. Tim Oliver exige uma maior abertura da União Europeia em relação ao Reino Unido, devido ao número de habitantes. O docente entende que “os britânicos não percebem porque razão a União Europeia não aceita algumas exigências”. Pelo contrário, Maxine David recorda que “Londres necessita de contribuir mais para a política externa europeia, bem como nas matérias relacionadas com a segurança”.