A Igreja de São Cristóvão, no coração da Mouraria, resistiu ao terramoto de 1755, mas é bem capaz de não sobreviver ao século XXI. Quando chegou à paróquia, em Outubro de 2010, o padre Edgar Clara encontrou paramentos com mais de 300 anos dobrados sem qualquer cuidado de conservação em gavetas, móveis e talha dourada tomados por bichos, um buraco gigante com mais de 200 cadeiras e as tábuas de um antigo baldaquino desmontado, além de centenas de livros anteriores ao terramoto. “Estava tudo péssimo”, resume. Devido ao estado de degradação, a igreja só abria ao público para as missas de domingo.
O padre, habituado às andanças da comunicação e do marketing – é formado em Jornalismo, foi assessor do antigo cardeal-patriarca e fez a comunicação da visita do Papa Bento XVI a Portugal –, compreendeu que para salvar a igreja seria preciso mais do que fé e rezas ao Espírito Santo. Era preciso marketing.
O primeiro passo foi concorrer ao orçamento participativo da Câmara de Lisboa. Ganhou e conseguiu 75 mil euros para fazer a divulgação nacional e internacional da igreja. Depois deitou mãos à obra. Com a ajuda de voluntários, conseguiu abrir a igreja todos os dias das 10h às 19h. E desenhou um projecto de marketing cultural – “Arte por São Cristóvão” – que, até Maio do próximo ano, prevê a realização de um conjunto de actividades para conseguir dinheiro para restaurar a igreja. Nos próximos meses há teatro, noites de fado, um arraial, concertos de música sacra, workshops, um biscoito feito por moradores com a Cozinha Popular da Mouraria, visitas guiadas – já estão todas praticamente esgotadas –, uma exposição a cargo do curador Paulo Pires do Vale, o lançamento de um livro e seminários. Tudo para conseguir os 1,2 milhões de euros necessários para reabilitar a igreja barroca – uma das poucas que sobreviveram ao terramoto e que guarda um impressionante conjunto de 36 painéis da autoria do pintor régio Bento Coelho da Silveira, datados do final do século XVII.
Anteontem arrancou uma campanha de crowdfunding – uma recolha de donativos – para restaurar a tela do altar-mor, com mais de 300 anos e da autoria de Coelho da Silveira. Esteve desaparecida durante décadas, foi descoberta em Julho do ano passado “bastante danificada” e precisa de intervenção técnica urgente. Retrata a Última Ceia, tem 2,6 por 4,75 metros e são necessários cinco mil euros para garantir que não se perde.
A intervenção dos técnicos de conservação e restauro decorrerá no interior da igreja e, em troca da ajuda – o contributo pode ser feito na internet, no site http://ppl.com.pt/pt/causas/arte-por-sao-cristovao –, os visitantes terão oportunidade de acompanhar os trabalhos que, prevê-se, vão durar três meses. Ontem, ao final da tarde, e menos de 24 horas depois de ter sido lançada, a campanha de crowdfunding já tinha conseguido angariar quase 400 euros.