Chegou o último 10 de Junho de Cavaco Silva. Houve cerimónia na praça de Lamego.
Quando em 1986 Carlos Tê escreveu e Rui Veloso cantou a “Valsinha das Medalhas”, Aníbal António Cavaco Silva tinha acabado de ser eleito primeiro–ministro. Ontem, 30 anos depois de chegar ao poder, Cavaco festejou a sua última valsinha. A despedida não tem nada de dramático: afinal, para Cavaco Silva, o país cuja presidência vai abandonar é mais ou menos a mesma “democracia de sucesso” que o fez arrancar a segunda maioria absoluta. Excluindo a troika, a linguagem da campanha de 1991 e a do discurso do Dia de Portugal de ontem foram muito similares.
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Primeiro, o país está melhor, statement reforçado ao longo do discurso. Cavaco dá “testemunho dos sinais de confiança no futuro” que tem encontrado “junto de empresários, trabalhadores, parceiros sociais, jovens empreendedores, cientistas e académicos, autarcas (…)”, mas também “podem colher-se sinais de confiança observando a nova atitude dos nossos parceiros europeus e dos investidores e o comportamento dos mercados financeiros”.
“Os verdadeiros heróis” O elogio vai para toda a sociedade: “Os empresários e agentes económicos não se acomodaram nem se resignaram. Importa sublinhar o aumento de 10 pontos percentuais do peso das exportações na produção nacional entre 2010 e 2014.” Os “verdadeiros heróis a quem Portugal tanto deve na ultrapassagem da recente crise” são “os empresários e os trabalhadores”, que “poderão agora olhar o futuro com melhores perspectivas”. Mais jovens empreendedores, mais jovens agricultores, “um aumento significativo da quantidade e qualidade da nossa produção académica”. Portugal está melhor e isso é reconhecido lá fora: “Das minhas visitas ao exterior (…) posso assegurar como se alterou, em sentido positivo, a atitude em relação a Portugal. Somos vistos como um destino atractivo e, acima de tudo, como um destino em que se pode confiar.”
Para Cavaco, na última vez que Portugal chamou o FMI, durante o governo do bloco central (1983-1985), as coisas foram muito piores: “Na memória de muitos ainda existe a recordação da pesada factura que tivemos de suportar quando à crise económica se associou uma crise social com fortes tensões e uma elevada conflitualidade, por vezes muito violenta.” “Agora, diferentemente do que ocorreu nas intervenções externas do passado, a crise económica surgiu num tempo em que as expectativas de bem-estar são muito mais elevadas do que há 30 ou 40 anos.”
A crise financeira internacional que antecipou o pedido de resgate é omitida do discurso do Presidente. Da história, Cavaco apenas regista: “Após uma década de reduzido crescimento económico, Portugal chegou a uma situação que qualifiquei como explosiva. Em Maio de 2011 fomos obrigados a recorrer ao auxílio do exterior (…) Sem o apoio externo, Portugal teria entrado numa situação de ruptura, com consequências sociais catastróficas.”
Tudo correrá bem daqui para a frente, diz Cavaco, “se fizermos o que nos compete”. A saber: “estabilidade política e governabilidade do país”; “equilíbrio das contas do Estado e sustentabilidade da dívida pública”; “equilíbrio das contas externas e controlo do endividamento”; “competitividade da nossa economia face ao exterior”; “um nível de carga fiscal em linha com os nossos principais parceiros europeus”.
“Um triste modo de vida” Cavaco Silva, igual a si próprio desde que há 30 anos entrou na vida política, atacou mais uma vez “os profetas da desgraça”. “Alguns têm a tendência para não acreditar no futuro, para duvidar da capacidade e da força do nosso povo. Há mesmo quem faça da crítica inconsequente um modo de vida, um triste modo de vida.” Cavaco foi expressivo na sua declaração de optimismo. “Da mesma forma que nunca vendi ilusões ou promessas falsas aos portugueses, digo claramente: não contem comigo para semear o desânimo e o pessimismo quanto ao futuro do país. Deixo isso aos profissionais da descrença e aos profetas do miserabilismo.” Na última valsinha das medalhas, Cavaco mantém-se igual ao homem que chegou de um alegado “além” em 1985 para conquistar o PSD.