O meu nome é Caitlyn

O meu nome é Caitlyn


Desportista premiado e padrasto das famosasirmãs Kardashian, durante 65 anos Bruce Jenner viveu num corpo que não reconhecia como seu. Mas a prisão terminou e Bruce renasceu como Caitlyn.


"Isto é sobre mim e a minha vida. Bruce sempre viveu uma mentira, todos os dias, de manhã à noite. Caitlyn não tem segredos. A partir do momento em que esta capa for conhecida, fico livre”. Depois de 65 anos a viver como homem, Bruce Jenner libertou-se e renasceu como Caitlyn, apresentada oficialmente na edição do próximo mês de Julho da revista norte-americana “Vanity Fair”. Uma sessão fotográfica assinada por Annie Leibovitz e uma reportagem da autoria de Buzz Bissinger, um repórter vencedor do Pulitzer, com um fetiche assumido por travestismo e que ao longo de três meses passou centenas de horas com Jenner. Bruce e Caitlyn.

O padrasto das irmãs Kardashian e pai da modelo Kendall Jenner quer que os seus dez filhos – seis dos quais biológicos – continuem a tratá-lo por pai, embora o seu corpo já não seja o de um homem. Primeiro veio o divórcio de Kris Jenner, com quem esteve casado 23 anos, formalizado em Setembro de 2014. Depois, a cada aparição pública, a sua imagem denunciava as diferenças. O cabelo cada vez mais longo, as sobrancelhas mais delineadas, o contorno dos lábios mais sensual, o nariz mais afilado. Cada vez mais, Bruce deixava de ser Bruce.

As mudanças foram dando azo às notícias, não confirmadas, que davam conta de que Bruce Jenner estaria num processo de mudança de sexo, assumindo a sua transexualidade. Mas foi apenas em Abril que o próprio decidiu contar a sua história. Numa entrevista emocionada a Diane Sawyer, da ABC News, vista por mais de 17 milhões de pessoas, o padrasto mais famoso do mundo falou de uma vida atormentada. “O Bruce estava sempre a mentir. Vivi uma mentira a vida toda acerca de quem sou. E não posso fazê-lo mais tempo. O meu cérebro é mais feminino que masculino. É difícil compreenderem isso, mas é o que é. Para todos os propósitos, sou uma mulher”, afirmou, com os olhos cintilantes de lágrimas.

Ao longo de duas horas de conversa, Jenner falou de uma infância dolorosa, marcada já por dúvidas acerca da sua transexualidade: aos oito anos experimentou um vestido da mãe enquanto esta não estava em casa. “Pus uma marca no roupeiro para repor o vestido exactamente no mesmo sítio para não ser apanhado. Na altura não sabia o que estava a fazer, mas sabia que me fazia sentir bem”, recordou à ABC News. Começava aqui uma vida de travestismo, à qual, no entanto, fugiu durante anos, refugiando-se numa carreira no desporto. Após ganhar a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Montreal, em 1976, na modalidade de decatlo, afastou-se do desporto e dedicou-se à representação e a uma carreira como orador motivacional que o levou aos quatro cantos dos EUA. Mas por debaixo do fato e da gravata com que aparecia nos seus discursos usava lingerie feminina. Em 2007 arrancava o reality show “Keeping Up with The Kardashians” e Bruce Jenner nunca mais deixou de marcar presença nas televisões mundiais.

Apesar de uma vida milionária, Bruce Jenner viveu sempre refém de si próprio. Uma prisão que o levou, ao longo da sua vida dupla, a submeter-se a uma série de tratamentos hormonais e cirurgias plásticas, sempre na tentativa de encontrar a paz que lhe faltava. No último ano e meio, após a separação de Kris Jenner, voltou a fazer inúmeros tratamentos e cirurgias, a última das quais em Março e que terá demorado dez horas. No entanto, revela a “Vanity Fair”, não realizou a cirurgia genital.

Segundo Jenner, o seu problema tem a ver com identidade de género e não tanto com questões sexuais. Será esta a explicação de ter sido casado três vezes, sempre com mulheres – e todas com noção da luta interior que travava –, e assegurar que sempre se sentiu atraído por mulheres. Num país com um número estimado de 700 mil transexuais, Jenner espera agora que o seu caso possa marcar a diferença e ajudar muitas destas pessoas. Também por isso aceitou fazer este artigo com a “Vanity Fair” e um programa para o canal E! que começará a ser emitido em Julho. Com vendas médias de 193 mil exemplares por mês durante o primeiro semestre de 2014, espera-se que a edição de Julho, com Caitlyn na capa, facilmente ultrapasse este número. Aliás, há quem acredite que poderá tornar-se a mais vendida da história da revista, um recorde que actualmente pertence à capa protagonizada pela actriz Jennifer Aniston, de Setembro de 2005, com 738 929 exemplares vendidos. O primeiro recorde foi batido logo no dia da divulgação da capa da revista, onde aparece com um sensual corpete bege: Caitlyn Jenner ultrapassou o presidente Obama e bateu o recorde do mundo do Guinness ao conseguir um milhão de seguidores no Twitter em apenas quatro horas.