Até ao final do dia de hoje, a defesa de José Sócrates dará o seu parecer sobre a ida do ex-primeiro-ministro para casa, como defende o Ministério Público. Terça-feira, é o próprio socialista quem dirá a viva voz ao juiz Carlos Alexandre o que pensa da aplicação de uma pulseira electrónica que controle todos os seus movimentos. A decisão será anunciada “em primeira mão” ao juiz de instrução criminal, mas o advogado João Araújo diz ao i que a prisão domiciliária “é uma humilhação e uma tentativa de achincalhar” o ex-primeiro-ministro. Os amigos mais próximos do socialista antevêem uma “decisão inédita”. Sócrates prepara-se para deixar a sua marca.
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“A bola está do nosso lado.” Os próximos dias deixarão mais claro até que ponto as palavras de João Araújo são premonitórias das intenções de José Sócrates. O advogado continua a mostrar pouca – nenhuma será mais rigoroso – satisfação com a evolução da posição do Ministério Público (MP). “Entendo que não se justifica a aplicação de qualquer medida de coacção quando não existem indícios de práticas de crime”, defende. Em Évora ou em sua casa, o ex-líder socialista está “privado da sua liberdade e ponto final”, sublinha o advogado, que diz já ter partilhado com Sócrates a sua oposição ao regime de prisão domiciliária.
O advogado já ouviu a posição do socialista sobre a promoção do MP e apresenta nas próximas horas o parecer da defesa. Terça-feira, o palco pertence inteiramente ao ex-primeiro-ministro. A lei de vigilância electrónica prevê, no número três do artigo 2.º, que “o consentimento do arguido [para aplicação desta medida] é prestado pessoalmente perante o juiz, na presença do defensor, e reduzido a auto”. Nessa presença em tribunal, Sócrates terá a palavra final sobre o seu futuro neste processo.
E, aí, mais uma vez, a lei é clara: “A utilização de meios de vigilância electrónica depende do consentimento do arguido”, refere o número um do mesmo artigo. A recusa de José Sócrates em ser transferido para um regime de obrigação de permanência na habitação (a chamada prisão preventiva) “impede a aplicação dessa medida de coacção”, explica ao i o advogado Francisco Teixeira da Mota. Perante essa eventual posição do arguido, “ou se mantém a prisão preventiva ou se aplica uma medida de coacção mais leve” que a proposta pelo MP – uma alternativa ainda assim “pouco frequente”, acrescenta António Raposo Subtil, ex-candidato à Ordem dos Advogados. Carlos Alexandre decide nesse mesmo dia sobre a alteração – ou não – da medida de coacção aplicada.
Fazer história Entre os mais próximos do ex-primeiro-ministro, a maioria opta pelo silêncio. Quem fala, prefere fazê-lo com reserva. Mas há a convicção de que Sócrates – detido há seis meses, ao chegar ao aeroporto de Lisboa vindo de Paris – poderá querer usar o seu caso pessoal para “emendar os problemas” da justiça portuguesa. Sócrates apresentar-se-á como uma espécie de mártir político ao recusar “meias escolhas” – entenda-se, a prisão domiciliária –, tentando com isso mostrar-se convicto de que a decisão mais justa seria o seu regresso à liberdade, sem quaisquer restrições. Nas redes sociais, o deputado socialista José Lello foi o único a falar sobre o caso: “José Sócrates igual a ele próprio, mesmo na prisão é um homem livre! Anilhas? Veremos!…”
Um amigo do ex-primeiro-ministro destaca o facto de, com essa posição, Sócrates abdicar de melhores condições para preparar a sua defesa. Estar em casa (previsivelmente, em Lisboa) dar-lhe-ia mais tempo para debater o seu caso com os advogados, mas permitiria também uma presença mais regular dos amigos do ex-líder socialista – em Évora, as terças, quintas, sábados e domingos são os dias de visitas aos reclusos.
O processo Os prazos continuam a contar. José Sócrates viu ser-lhe decretada a prisão preventiva a 24 de Novembro de 2014, indiciado pelos crimes de fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e corrupção. A partir desse momento – e porque este é um caso de especial complexidade –, o Ministério Público passou a ter um ano para deduzir acusação contra o arguido.
Segundo o Código ProcessoPenal, até à condenação em primeira instância não poderão passar mais de 30 meses desde o início do processo e a condenação com trânsito em julgado tem de acontecer em três anos e quatro meses. No máximo, José Sócrates terá de conhecer o desfecho do seu caso até ao final de Março de 2018. E, até lá, por lei, poderá manter-se em prisão preventiva.
Apesar de defender o regime de prisão domiciliária, o procurador Rosário Teixeira sustenta que se mantêm os perigos de fuga e de perturbação de inquérito. Mas o facto de o Ministério Público ter alterado a sua posição quanto à medida de coacção a aplicar ao ex-primeiro-ministro indiciam que a parte substancial da investigação está concluída e que as provas fundamentais para deduzir a acusação estão reunidas.
Na operação “Marquês”, que deu origem ao processo contra o ex-primeiro-ministro, há outros cinco arguidos: Carlos Santos Silva, empresário, amigo de Sócrates e tido como fiel depositário de 17 milhões que o Ministério Público acredita pertencerem ao socialista; JoãoPerna, ex-motorista de Sócrates, e o homem que transportaria de carro, até Sócrates, em Paris, várias tranches de dinheiro; Joaquim Barroca Rodrigues, vice-presidente do grupo Lena. E, ainda, Gonçalo Trindade Ferreira, advogado de uma das empresas de Santos Silva, Inês Pontes Rosário, mulher de Santos Silva e Paulo Lalanda e Castro, administrador da farmacêutica Octapharma.
(Notícia actualizada às 12h30)