Foi publicado no Diário da República de 2 de Junho último o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.o 8/2015, o qual merece os maiores encómios que se podem fazer a uma decisão judicial: é uma decisão Justa! E é uniformizadora de jurisprudência.
Com efeito, trata-se de uma decisão fundamental para restabelecer Justiça nas relações entre os contribuintes e o Fisco, pelo menos no que diz respeito ao IVA.
Mas para que possa apreciar-se a profundidade do acerto da decisão, há algumas explicações prévias a dar a não juristas… Vejamos: no Regime Geral das Infracções Tributárias existe um artigo que prevê e pune um crime tributário dos mais graves do catálogo – o crime de abuso de confiança fiscal. Este crime de abuso de confiança é facilmente explicável: alguém recebe, no exercício da sua actividade profissional ou comercial, um valor que cabe entregar ao Estado, o IVA; em vez de proceder a tal entrega, apropria-se do valor e gasta-o em proveito próprio ou alheio; tudo em prejuízo do Fisco.
Logo, quem vende um qualquer produto do seu comércio ou presta um serviço, ao cobrar o valor devido pelo mesmo, cobra também o valor do IVA que o Estado impõe relativamente àquele preço. Porém, como o Fisco em Portugal é aquela respeitabilíssima instituição a quem primeiro se paga e depois se reclama, tem entendido que o dito comerciante ou prestador de serviços comete um crime de abuso de confiança fiscal quando não entrega ao Estado o IVA dos bens ou produtos que vendeu, mesmo que nunca tenha recebido o valor devido pelos mesmos.
Sim, caro leitor… leu bem!
Para o Fisco, o comerciante que vendeu os fardos de palha e se viu sem pagamento, porque o comprador não pagou, tem que entregar o valor do IVA que não recebeu… senão, “é óbvio” que se apropriou do valor do IVA. Única via de tal não acontecer é iniciar uma acção judicial contra o devedor… e só se comprovar, por essa via, que não conseguiu cobrar, é que pode reclamar um crédito de IVA, porque entretanto já teve que pagar ao Estado o IVA que nunca recebeu.
É ilógico? É! Mas é a Lei… e contra isso nem todos os Tribunais nos valiam: era “cada cabeça sua sentença”.
Ora, a grande justiça deste Acórdão é afirmar sem tibieza que “A omissão de entrega, total ou parcial, à administração tributária, de prestação tributária de valor superior a 7500 euros, relativa a quantias provenientes de IVA, em relação às quais haja obrigação de liquidação e que tenham sido liquidadas, só preenche o crime de abuso de confiança fiscal, do artigo 105.o, n.os 1 e 2 do RGIT, se o agente as tiver, efectivamente, recebido”.
Branco é, galinha o põe… mas foram precisos anos para ser declarado com força uniformizadora que ninguém se pode apropriar do que não lhe foi entregue!
Agora só falta estender esta filosofia, tão justa quanto óbvia, a todos os outros casos de ilogicidade do sistema fiscal português…
Advogado, escreve à sexta-feira