A Serraleite, cooperativa de produtores de Portalegre que a Associação Sindical dos Funcionários (ASF) da ASAE garante ter tido “tratamento preferencial” numa acção de fiscalização, estava em processo de aquisição pela Jerónimo Martins aquando da inspecção.
Em Fevereiro, altura em que os inspectores da ASAE terão recebido “ordens superiores” para pararem a fiscalização, o grupo de distribuição e a Serraleite aguardavam luz verde da Autoridade da Concorrência (AdC) para uma operação de concentração: a Jerónimo Martins Lacticínios (JML) pretendia a compra e o controlo exclusivo da cooperativa. Um negócio comunicado à AdC a 22 de Janeiro e autorizado em Março. A Serraleite – que ficou com uma participação no capital da JML – já fornecia leite aos hipermercados Pingo Doce há vários anos. Em Março, o presidente da Serraleite, José Manuel Pinheiro, admitia, numa entrevista ao “Público”, que sem a venda à Jerónimo Martins a cooperativa teria “um futuro complicado”.
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O sindicato da ASAE denunciou anteontem que uma brigada que fazia uma fiscalização à cooperativa, que recolhe anualmente 20 milhões de litros de leite, foi impedida de continuar a trabalhar. O presidente, Albuquerque do Amaral, garante que “houve um telefonema de cima” com ordens para que os funcionários da ASAE “não voltassem às instalações” da Serraleite. “Os inspectores começaram pela análise documental à cooperativa e preparavam-se para, no dia seguinte, fazer a vistoria às instalações, algo que já não aconteceu”, denuncia o presidente do sindicato.
O responsável pela cooperativa, José Manuel Pinheiro, garante que não se apercebeu de “nada de anormal” aquando da visita dos inspectores. E recorda que a ASAE até regressou mais tarde, a 7 de Maio, para fazer a vistoria às instalações. O presidente da ASF confirma que a vistoria acabou por ser feita, mas sublinha que “não é normal” ter acontecido três meses após a análise documental: “O procedimento devia ter sido feito no dia seguinte.”
Durante a inspecção, realizada já depois de o negócio com a Jerónimo Martins estar confirmado, os inspectores da ASAE encontraram valores anormais de células somáticas – importante indicador de qualidade – no leite de seis produtores. A situação, diz José Manuel Pinheiro, foi “prontamente corrigida”.
INVESTIR EM PORTALEGRE A Jerónimo Martins vai investir 40 milhões na construção de uma fábrica em Portalegre destinada à transformação de leite e cuja abertura está prevista para 2017. Fonte oficial do grupo garantiu ontem ao i que “em momento algum um representante do grupo Jerónimo Martins tentou ou tentaria condicionar, directa ou indirectamente, a legítima actuação de qualquer entidade no desempenho das funções que lhe estejam atribuídas na sua esfera de competência”.
Ministro: é normal Os dirigentes da ASF que denunciaram a existência da lista VIP na ASAE foram chamados, ontem, a uma reunião com o ministro da Economia, Pires de Lima, e o secretário de Estado adjunto, Leonardo Mathias. Albuquerque do Amaral diz que o ministro se mostrou “preocupado com os procedimentos da ASAE”.
Pires de Lima terá confirmado que Leonardo Mathias teve uma reunião na secretaria de Estado com um operador económico cuja actividade tinha sido suspensa após uma visita da ASAE – como a ASFdenunciou anteontem –, mas considerou o encontro “normal”. Porém, os inspectores têm outra opinião. “Se a ASAErecebesse todos os operadores cuja actividade é suspensa, não fazíamos outra coisa. Além disso, a reunião ocorreu na secretaria de Estado e não na ASAE”, contrapõe Albuquerque do Amaral. Segundo o sindicato, o operador económico terá “relações pessoais” com Leonardo Mathias e na reunião, promovida pelo secretário de Estado, estiveram “altos quadros” da ASAE e da empresa.
As pressões sobre os inspectores, diz o sindicato, não se terão ficado por aqui. Em Abril terá havido nova ordem de retirada, também em Portalegre, na Feira de Doçaria Conventual e Tradicional, visitada pelo secretário de Estado da Alimentação, Nuno Vieira e Brito. A ASAE estaria a desenvolver uma fiscalização com a Autoridade Tributária quando os inspectores foram surpreendidos por um telefonema. “Com a indicação de que onde estão governantes não podem estar inspectores da ASAE”, diz Albuquerque do Amaral. O episódio ter-se-á repetido dias depois na Ovibeja.
O i tentou uma explicação junto dos responsáveis pela feira de agricultura do Alentejo e da presidente da Câmara de Portalegre, sem sucesso. Entretanto, o Ministério da Economia já negou a existência de qualquer lista VIP e mandou abrir um processo inspectivo para “apurar a verdade dos factos”. Ontem, Pires de Lima disse à Lusa que o sindicato da ASAE não lhe apresentou “provas” da existência de qualquer lista.
