Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez. Ao décimo segundo de discurso, Rafael Benítez desfaz-se em lágrimas e é-lhe difícil retomar a palavra. Às tantas, lá liga o turbo e fala sem parar, pelos cotovelos.
Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez. Bem-vindo ao Real Madrid, Rafa, é o décimo treinador nos últimos 11 anos. Alto, pára o baile.E as lágrimas. “O dez em Espanha é um bom número, como a décima”, reage imediatamente Benítez, numa alusão às dez Taças dos Campeões do clube, o maior da Europa.Sim, é grande, enorme, colossal.Só há um pormenor: só um título de campeão espanhol nas últimas sete épocas (é o de Mourinho, em 2011-12). E isso incomoda realmente o presidente Florentino Pérez. E mais o facto de Ancelotti ter perdido o controlo do balneário para Sergio Ramos e Cristiano Ronaldo. Vai daí, Florentino aposta em Benítez, um homem de 55 anos e com um passado no Real Madrid.
É o próprio a admitir antes do início do bombardeamento de perguntas dos mais de 200 jornalistas na sala de imprensa. “Quero dizer-vos que o senhor aqui ao meu lado participou no meu último jogo pelo Real Madrid. Curiosamente, era a estreia dele.” O senhor é Butragueño, Emilio Butragueño, uma referência do madridismo e da selecção espanhola. Há sorrisos cúmplices.Depois, as lágrimas do discurso. E finalmente o turbo. Afinal, Rafa sente-se em casa.
É do Real desde pequenino.Culpa da mãe, Rosario Maudes, adepta ferrenha, em contraste com o pai, Francisco, dorival Atlético. O empenho da mãe é maior e Rafa faz-se do Real. Está lançado.
Rafa e Real, o duplo erre. O triplo, vá (acrescentem reencontro). Corre o mês de Agosto de 1986, poucas semanas depois do golo maradoniano à Inglaterra no México. Um homem novo e cheio de cabelo, chamado Rafael Benítez, entra nas oficinas do Real Madrid, em Pozuelo, e assina contrato. Quem o vai buscar é Vicente del Bosque, devidamente aprovado por Luis Molowny, então o treinador da equipa principal. “Se consegue treinar três equipas ao mesmo tempo num parque infantil, também consegue orientar os sub-19 do Real Madrid”, argumenta Del Bosque.
Meu dito, meu feito. E Rafa ganha duas Taças do Rei (1990 e 1993) e um campeonato espanhol (1993). Segue-se o desafio da equipa B. Em duas épocas, aguenta o barco. E depois é chamado para ser o adjunto de Del Bosque, com apenas oito anos de casa. E depois? Sai Del Bosque, entra Valdano. O argentino não conta com Benítez e este volta aos bês. Sí señor, sin problema.
O problema aparece mais tarde. Valdano quer apostar em Sandro, um brasileiro da equipa B. Para isso, Benítez tem de lhe dar minutos. Rafa vai contra Valdano e Sandro nunca calça. Ou calça, mas pouco, muito pouco. Nesse vai-não vai, Valdano ganha o braço-de-ferro (Sandro, esse, continua incógnito no mundo da bola).
Benítez abandona a casa-mãe e dá o salto para a 1.a divisão. Dá-se mal. Primeiro Valladolid, depois Osasuna. E agora? Extremadura e Tenerife significam duas subidas de divisão. O Valencia aposta no homem. E dá-se bem. É bicampeão espanhol e levanta a Taça UEFA (2-0 ao Marselha na final de Gotemburgo), comAimar & Cia. O seu legado na Liga espanhola recomeça em Agosto, 11 anos depois. Pelo Real Madrid.