Delinquência juvenil. Os crimes que começam cedo acabam em futuros incertos

Delinquência juvenil. Os crimes que começam cedo acabam em futuros incertos


A liberdade é a maior ambição dos adolescentes que estão no Centro Educativo da Bela Vista.


Francisco foi o último a sair. Ainda não tinha 16 anos quando entrou no Centro Educativo da Bela Vista, em Lisboa. Contou dois anos e dois meses até ao dia da liberdade: “O primeiro ano ainda passou, mas o segundo foi muito repetitivo.” Foi apanhado dentro de um armazém a roubar, em Sintra, e enquanto esperava pela aplicação da pena foi apanhado uma segunda vez a cometer o mesmo crime.

A rua tornou-se uma rotina quando desistiu da escola, deixando o 5.o ano incompleto. Agora que está de saída faz planos para o futuro. São ambições ainda vagas porque não sabe o que o espera lá fora. Qualquer trabalho serve, desde que possa ganhar dinheiro, comprar as suas coisas e recomeçar do zero com a família. Pode ser que agora a relação com o padrasto não se resuma a discussões e a bater com portas. E pode ser também que consiga acabar com a culpa por ter desiludido a mãe.

E se não der certo, o que vai ser de Francisco? “O desemprego é uma dificuldade que faz parte dos dias de hoje e muitos jovens ao não encontrarem uma actividade nos meses seguintes voltam a entrar na marginalidade”, avisa o director do centro, Paulo Monteiro.

Para Francisco o dia da liberdade já chegou, mas para João ainda está distante. Entrou no Centro da Bela Vista em Março, depois de fugir de uma instituição social onde foi colocado porque a mãe julgou que era o melhor para um filho que já não ia à escola e passava o dia entre roubos de bicicletas e de motos.

Gonçalo começou o seu percurso no crime ainda na primária a roubar telemóveis e senhas de almoço aos colegas
 

Andava “atrás da adrenalina”, conta o adolescente de 16 anos. Mas agora assegura estar arrependido. E se continuar arrependido nos próximos três meses talvez possa ir para casa aos fins–de-semana, um prémio de bom comportamento.

Mas por enquanto os hábitos são bem diferentes dos que tinha quando era um rapaz com a rédea solta: “Acordava tarde, ajudava a minha mãe a fazer o almoço, andava de moto a tarde toda e depois navegava na internet ou ouvia música com os meus amigos.”

Agora as rotinas são controladas em cada fase do dia. Todas as horas estão programadas e a disciplina é apertada. Os miúdos acordam às 7h45, tratam da higiene pessoal, arrumam e limpam os quartos e espaços em comum. De seguida têm aulas, entre as 8h50 e as 12h25, almoçam e regressam às aulas, entre as 14h e as 17h30. Os que entraram recentemente no centro têm de recolher para o quarto às 20h, mas a hora de dormir vai sendo adiada consoante a fase de integração em que se encontram, mas sem nunca ultrapassar as 21h30. As 23h as luzes apagam-se para todos.

A rua tornou-se rotina quando Francisco desistiu da escola, deixando o 5.º ano incompleto
 

“Os primeiros tempos são de corte com o mundo exterior. Pode ser brutal mas tem de ser feito”, explica o director do centro. Os três dias iniciais são de isolamento para ser possível avaliar os casos individualmente, explica Paulo Monteiro. Depois disso são incentivados a socializar. É assim que reaprendem a “viver em sociedade”. Tudo serve para fazerem essa aprendizagem: desporto e actividades lúdicas em equipa ou formação profissional.

Todos os adolescentes dos centros educativos passam por três fases, em que de forma gradual vão ganhando alguma liberdade, embora sejam sempre acompanhados e vigiados. Sair do centro só depende deles. Ou melhor, do ritmo com que se ajustam aos objectivos que foram traçados no programa de reeducação. Pode demorar mais ou menos tempo, mas a idade limite é quando atingem 21 anos.

Os regimes – aberto, semiaberto e fechado – dependem muito do crime. No Centro Educativo da Bela Vista só são aplicados os dois primeiros modelos. No aberto, os jovens podem sair desde que cumpram os horários de saída e de regresso e ainda podem gozar 15 dias de férias. No modelo semiaberto, as saídas só são autorizadas quando acompanhadas por um monitor e não há fins-de-semana nem férias. Todas estas regalias deixam de existir no regime fechado.

Gonçalo já experimentou todos estes regimes. Está na Bela Vista há dez meses e faltam-lhe dois anos para cumprir a pena. Desde os 14 anos que salta de centro em centro e colecciona um cadastro que inclui agressões, roubos e furtos a casas. Começou a carreira no crime ainda na primária a roubar telemóveis e senhas de almoço aos colegas mais novos: “Foi na escola que me ensinaram a roubar, antes disso até me portava bem.”

O Centro da Bela Vista, no entanto, não o tem ajudado a mudar o comportamento. Sente-se um extraterrestre no meio de crianças: “Estou entre miúdos, é só palhaçadas, a brincarem e a berrarem nos quartos”, desabafa o adolescente. Gonçalo sabe que aos 21 anos será obrigado a sair, mas o certo é que a liberdade também não é um sonho muito tranquilizador: “O que é que vou fazer lá fora se não tenho o 12.o ano nem trabalho?”

A mãe do João colocou-o numa instituição por julgar que era melhor para o filho, que passava os dias a fugir da escola

 

Esse é também o medo de Joana quando deixar o centro, em Janeiro do próximo ano. Está agora a completar os 5.o e 6.o anos, mas já decidiu que quando sair não vai voltar a estudar. O plano é sair de Portugal para arranjar trabalho, mas a confiança no futuro é tão frágil que nem ela consegue garantir que esta seja a sua última vez num centro educativo. “Tenho muito medo de voltar aos maus caminhos”, confidencia a adolescente de 16 anos.

Todos os nomes dos adolescentes que surgem nesta reportagem são fictícios para proteger a sua identidade