Cativeiro. “Esta mãe quis provavelmente proteger o filho”

Cativeiro. “Esta mãe quis provavelmente proteger o filho”


O que para a maioria é um comportamento desumano, para a família de Cascais é consequência de vivências passadas.


Um homem mantido em cativeiro pela mãe durante oito anos. Foi o que encontrou a GNR quando, na terça-feira, foi chamada à habitação da família, na Amoreira, Cascais, para resolver uma situação de agressão entre a mãe, de 62 anos, e um vizinho. Hoje com 38 anos, o filho estava enclausurado na cave em condições degradantes. Tal como a mãe e a irmã, apresenta perturbações mentais.

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Mas o que leva uma mãe a trancar o próprio filho? Em primeiro lugar, todo o ambiente em que fomos educados. “O nosso modelo de aprendizagem é por imitação”, explica psicólogo José Brites. E quando o resto da família também tem um padrão de perturbações mentais a probabilidade de situações extremas é ainda maior: “Se há ausência de valores e de modelos de identificação para vivermos adaptados à sociedade, quando entramos numa área de perturbação mental as pessoas criam as suas próprias regras.” E é provável que os próprios filhos perpetuem o comportamento: “É como nas crianças. O que o adulto faz tenta-se imitar.”

O fundamental é entender o historial da família e os comportamentos a ela associados. Há vários tipos de perturbação mental, mas, “em função da gravidade da doença, chega-se a situações absurdas”, como esta, em que uma mãe mantém o filho em cativeiro. José Brites conta que, enquanto para o cidadão comum este comportamento não faz sentido, o mesmo não se passa aos olhos daquela mãe: “Aos olhos da maioria esta situação é desumana, mas perante esta mãe, tendo em conta o seu historial, provavelmente isto era algo que ela fazia para proteger os filhos.”

E durante quase uma década esta história também viveu em clausura. A explicação pode ser que “vivemos virados para nós próprios e há pouca preocupação com os outros”, defende o psicólogo. “As pessoas demitem-se das suas funções de cidadania.” Ou seja, desconhecemos as pessoas que vivem perto de nós, o que fazem, e não é de estranhar que ninguém se dê conta de que um vizinho nunca mais foi visto na rua.

Agora o futuro deste homem depende do que conseguiu fazer enquanto esteve em cativeiro. Há a necessidade de perceber, por exemplo, se o cérebro foi devidamente exercitado: “Depende de tudo o que a pessoa vivenciou e por isso é preciso perceber quais foram os danos”, considera o psicólogo. É necessária uma avaliação, mas, adverte José Brites, devido ao espaço totalitário em que viveu “tudo é possível”.

Bernardino Rocha explica que é nos rituais sociais que se criam os “sentimentos de partilha e humanidade” necessários à construção do indivíduo. O pedopsiquiatra explica que é após cada ritual – primeiramente associados à família, depois à entrada para a escola e finalmente na vida em comunidade – que o “selvagem adquire mais um sentimento de pertença e humanidade”. A ausência deste tipo de experiências leva a uma pessoa “extremamente doente” e sem a sua própria individualização, como o caso de alguém que viveu em cativeiro.