ACcroboys. Gravidade zero, rede nem vê-la

ACcroboys. Gravidade zero, rede nem vê-la


Hugo Matias e Telmo Duarte, os nomes dos dois acrobatas que desfilam de forma pouco ortodoxa nestas imagens. Conheceram-se no circo e não há meio de saírem seja para onde for. A não ser que a viagem se faça com habilidades estudadas ao pormenor. Fomos conhecê-los para tentar saber como é que tudo isto funciona.…


Esta história de muito equilíbrio e uma boa dose de força começou no Chapitô, o que até seria previsível. Foi na escola da Costa do Castelo que Hugo Matias e Telmo Duarte se conheceram, há quatro anos, quando começaram o curso profissional de Artes do Espectáculo, na vertente de Circo. Para lá da amizade que foram construindo, perceberam que partilhavam as mesmas ambições quando chegaram ao fim do curso: ambos queriam trabalhar numa companhia de circo. Muito bem, até aqui tudo certo. 

Pelo caminho, no entanto, tinha ficado outra vontade, a de partir para fora do país. “Em Portugal não há a possibilidade de seguir um curso superior na área do circo”, dizem. O problema seguinte apareceu pouco depois: “Apercebemo–nos rapidamente de que não tínhamos possibilidades financeiras para continuar a estudar no estrangeiro.” Contas feitas, foi preciso dar a volta à questão. Apostaram em encontrar trabalho, criaram uma dupla de circo acrobático experimental a que deram o nome de Accroboys e estão a fazer-se ao caminho.

Cada um, hoje com 21 anos, tem “características vincadas”, algo que define as suas personalidades e que os distingue. É nessas diferenças que se baseiam para criar um equilíbrio – físico e não só, que não basta ter o braço e a perna onde é preciso, quando é preciso. “A nossa dupla resulta de uma mistura entre criação e ideologia por um lado, corpo e execução por outro. O Hugo tem uma vertente mais dramatúrgica que já trazia do teatro, enquanto eu tenho uma vertente mais técnica. É preciso juntar tudo com cuidado e atenção para conseguirmos que algo resulte bem”, explica-nos Telmo.

Ensaio Por isso mesmo, antes da criação de cada um dos números de acrobacia, Hugo e Telmo começam por fazer aquilo a que os comuns mortais costumam chamar “trabalho de escritório”. “Normalmente, fazemos um pequeno estudo sobre o sítio onde vamos apresentar e sobre o público-alvo. Assim que a ideia nasce, partimos para a escolha da música e começamos a escolher os elementos técnicos que expressem o sentimento que procuramos transmitir”, explica Hugo. Segue--se a fase de “composição”, em que constroem o número.E atenção que nada disto aparece feito em poucas horas, a coisa é bem mais complexa que isso.

É possível que encontre a dupla Hugo & Telmo por aí (talvez em Lisboa seja mais fácil e provável). E se assim for, também é previsível que estejam a aproveitar o cenário em causa para ensaiar mais uma acrobacia. Nada de ter medo de pés pelo ar e piruetas sem aviso. É ver para depois contar a quem não esteve lá

Treinam todos os dias, normalmente durante duas horas – “só assim conseguimos alcançar um nível razoável de performance”, contam. Umas vezes fazem--no em jardins, noutras ocasiões, quando há espaço livre, vão para o Chapitô ou para o Armazém 13 – um espaço cultural dedicado às artes do circo. “Temos treinos que servem para limpar a técnica e nesses fazemos várias repetições dos elementos técnicos.” Evitar que a memória física lhes molde os movimentos: é mais ou menos isso que procuram nestes exercícios.

Método Para assinarem os números, há três técnicas essenciais de circo nas quais baseiam as respectivas criações: mão a mão, acrobacia de solo e manipulação de objectos. Tudo nomes bonitos. Inspiram-se no trabalho desenvolvido por companhias de circo como as canadianas Les 7 doigts de la main e a Cirque Éloize, ou a britânica Barely Methodical Troupe. Mas fazem questão de ir construindo uma marca pessoal que os identifique no futuro e os distinga da concorrência. Já fizeram trabalhos para o Chapitô e para a companhia de artes performativas XPTO. Actualmente trabalham num espectáculo da Molière Productions.

O que fazem, explicam, “é contar uma história”, levando para o palco situações habituais do quotidiano, retratando-as e expressando sentimentos através de técnicas de circo. “Definimos a nossa linha dramatúrgica através de um lado mais aproximado do dia-a-dia urbano, recorrendo a situações mais casuais como a desmistificação de um aperto de mão, a condição humana e o alter ego. Levamos o público a divertir-se, mas também a pensar na mensagem que pretendemos transmitir.”

E para conseguirem transmitir uma mensagem em cada um dos números de circo que fazem, há um percurso a respeitar, como se de um argumento se tratasse. Depois de definida a linha dramatúrgica, depois de escolherem os elementos técnicos, a música, os cenários e os adereços, depois de terminada a fase de “composição”, chega o momento final. “Repetir, repetir e repetir até que todos os movimentos façam parte de nós.” Uma espécie de “fazer isto até que a voz me doa”, mas com as mãos, os pés e tudo o resto que está pelo meio. 

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