Mudar de país é um desafio maior ainda se a língua for um código estranho que só serve para criar choques culturais. Quem trabalha no projecto SPEAK assegura que faz tudo para que não seja assim. Criado em 2012, surgiu para resolver “o problema da exclusão sociocultural e derrubar barreiras linguísticas”, explica o fundador, Hugo Menino Aguiar. Não se trata de uma escola convencional em que os professores ensinam e os alunos aprendem. Uma língua estrangeira é ensinada por professores voluntários que também podem ser alunos dispostos a aprender outro idioma. Ou vice-versa. As aulas também não seguem um modelo tradicional. Mais importantes que manuais, exames e TPC são as trocas de experiências e o convívio entre os participantes.
{relacionados}
E esse é o projecto que levou Hugo, de 29 anos, a abandonar o emprego na Google, onde esteve quase dois anos. Da “vontade de uma mudança revolucionária” nasceu então em Leiria o SPEAK, que mais tarde contagiou outras cidades como Caldas da Rainha, Lisboa, Coimbra e Cascais: “Estou envolvido em projectos sociais desde os 15 anos. Saber que tenho impacto na vida de alguém faz-me sentir apaixonado, útil e vivo. Gosto de pessoas, do mundo, da diversidade e de línguas. O SPEAK é um pouco de tudo isto.”
O início Leiria foi o princípio desta aventura e isso não aconteceu por acaso. Hugo percebeu que faltavam aos emigrantes redes de apoio que os ajudassem na integração para poderem aproveitar todas as oportunidades. Laços de amizade e de cooperação entre os participantes são, portanto, os instrumentos usados para facilitar as redes de apoio informais que têm também como objectivo fazer com que os estrangeiros se sintam em casa. É um intercâmbio em que qualquer pessoa pode participar. Ao partilhar conhecimentos de línguas e de culturas, desfazem-se barreiras: “São estas pessoas que quebram preconceitos, fazem amigos e que promovem e disseminam a valorização pela diversidade cultural”, acrescenta Sara Reis, professora voluntária de Português e Espanhol e ainda aluna de Japonês e Mandarim,
E o número de participantes não pára de crescer nas cinco cidades em que o SPEAK está presente. Em apenas seis meses, esta escola cresceu de dois para cinco concelhos. Em 2012 havia 135 participantes, no ano seguinte subiram para 276, em 2014 já eram 528 e a previsão para este ano é atingir os 1200, faltando menos de metade do caminho para cortar essa meta (estavam inscritos até Maio 679 alunos de 62 nacionalidades). E cada aluno e cada professor é uma arma contra a exclusão, explica Hugo. Como visão, o projecto ambiciona nada mais do que construir um mundo melhor: “Sociedades que integram, valorizam e potenciam a diversidade cultural. Um mundo que reconhece que há problemas sociais que não respeitam fronteiras.”
Um lugar num mundo E foi através do SPEAK que Sara diz ter percebido qual é o seu lugar no mundo: “Tornar a vida dos outros melhor “através da quebra da barreira linguística e da inclusão social do próximo.” Jéssica Reis, professora voluntária de Português, acrescenta que, “de aula para aula, a turma deixa de ser só de colegas para passar a ser de amigos”.
Outra das vantagens é que resolve quase todos os problemas e tira as dúvidas que possam aparecer: “Desde como ter acesso ao Serviço Nacional de Saúde, informação sobre como obter a nacionalidade ou procurar emprego, até ao mais simples como, por exemplo, onde comprar comida barata e de qualidade”, conta Hugo Menino Aguiar.
A rede funciona há menos de três anos, mas já há histórias de sucesso para contar: “Uma colega encontrou os fiadores para o arrendamento da casa e há cooperação na procura de emprego.” Quando a vida corre menos bem, a grande família multicultural que se criou também ajuda: “Recentemente, uma participante foi para o hospital e quem tratou de todo o processo foram os melhores amigos dela. Conheceu-os no SPEAK”, conta o fundador.
As vantagens do modelo são também comprovadas pela mudança que acontece entre os participantes. A confiança vem quando “começam a sentir que conseguem comunicar, o que faz com que se sintam mais integrados e com amigos na cidade”, explica Hugo, acrescentando que estes factores fazem também com que sintam a sua cultura valorizada pela população da cidade onde estão integrados e reconheçam o seu potencial.
Para Jéssica Reis, o projecto tirou-a da zona de conforto e deu-lhe a conhecer gente de todas as partes do mundo: “Conheci pessoas incríveis que destruíram os preconceitos que eu tinha.” E o sentimento é comum aos participantes estrangeiros. Satomi Tsujii, professora voluntária de Japonês, refere que o projecto lhe permitiu aprender muito “sobre as diferenças entre Portugal e o Japão”, acrescentando que “as pessoas podem redescobrir a sua própria cultura e aprender outra ao mesmo tempo” no projecto: “Este é o maior benefício.”
Fazer a diferença Fazer parte do projecto é fácil. As inscrições são feitas em www.speak.social e participar num curso de 18 horas custa 25 euros. O valor é pago no início e dá também acesso aos eventos desenvolvidos pelo projecto e à plataforma online. Mas há uma excepção: para os alunos de Português, o curso é gratuito. “Estes alunos pagam apenas uma caução de 25 euros que é devolvida no final do curso se frequentarem pelo menos dez aulas”, explica a SPEAK, acrescentando que há ainda a possibilidade de se ser professor voluntário, ou seja, dar as aulas de línguas recebendo em troca não só a experiência como também a possibilidade de inscrição gratuita em todos os cursos.
Jéssica Reis explica que nas aulas se fala de diversos temas como a comida, a família e as profissões: “Numa das aulas apercebi-me de que pessoas com uma cultura tão diferente da minha brincavam às mesmas coisas que eu quando era criança. Se tomássemos consciência do quão parecidos somos, estaríamos mais atentos às pessoas que nos rodeiam.”
Para a equipa, o importante é garantir que, com o crescimento, a sustentabilidade e a qualidade e eficácia do impacto social não são comprometidas. “Queremos crescer com qualidade”, garante Hugo Menino Aguiar. A captação de investimento está na mente do fundador, mas apenas com um objectivo: “Crescer rapidamente para ajudarmos mais pessoas.”