Ada Colau. A mulher que okupou a vivenda da máfia em Barcelona

Ada Colau. A mulher que okupou a vivenda da máfia em Barcelona


A heroína desta história, para ganhar poderes, só teve de lembrar às pessoas que não passava de uma mulher em tudo normal e que tinham um inimigo comum: as criminosas minorias dirigentes.


Não sou particularmente inteligente, não sou poderosa. Sou apenas uma pessoa normal, e isso é o que mais os preocupa. Isto é uma amostra do poder que os cidadãos comuns têm.” Foi como se descreveu há pouco mais de um ano a nova presidente da câmara da capital catalã em entrevista à BBC. Que outra frase sintetiza de forma tão clara e contagiante o desejo de mudança que levou o Podemos a enterrar o bipartidarismo que desde o franquismo dominava a democracia espanhola?

Se Pablo Iglesias, o académico carismático e combativo que se tornou uma destas novas celebridades do comentário político nos media, conseguiu encontrar na fúria por trás do movimento de protesto dos indignados uma condição de força e esperança, tornando-se o rosto e a principal voz de uma esquerda desassombrada, Ada Colau tornou-se a primeira representante desta vaga a chegar ao poder.

Ao traçar-lhe o perfil, horas depois da vitória do passado domingo, o “El País” mostrava-se deliciado por dedicar a sua atenção a uma senhora de 41 anos que, mais que a primeira mulher a ocupar aquele cargo, é uma mulher cujo exemplo parece perigosamente fácil de seguir. O seu segredo, adianta o diário, está em ser uma pessoa sem se ter convertido numa personagem; não se impõe, mas expõe-se. É “a autarca mais rebelde, mas é também a nossa vizinha mais normal e afável”. Despreocupada, veste roupas largas, não arranja as sobrancelhas, leva o filho de quatro anos à escola, cozinha, aspira a casa e, distraída, lá conspira de si para consigo um protesto na agência de algum banco.

Filha única de pais que se separaram logo depois do seu nascimento, em 1974, não deixou de ter uma família numerosa: três irmãs por parte da mãe, um irmão e uma irmã por parte do pai. O filho é fruto da sua relação com o economista Adrià Alemany, com quem partilha não só a vida mas o activismo e a campanha que a fez vencer as eleições. Estudou Filosofia e sempre viveu em casas arrendadas, com excepção de um período em que viveu como okupa. Em 2009 fundou a Plataforma de Afectados pela Hipoteca (PAH), um movimento contra os despejos abusivos, e chegou a ser detida numa dessas ocasiões.

Tentava renegociar a hipoteca de um homem prestes a ser atirado pelo Banco Popular para a rua. Mas desígnios mais altos impuseram-se, veio a polícia e levou-a. Ficaram as fotos, que logo foram puxadas para o desfile dos bons corações nas redes sociais. Mas é aqui que a sua carreira de activista se distingue da de tantos dos seus colegas que esgrimem belíssimos argumentos, constroem grandes bibliotecas e vão fazendo uma reputação. “Ou desobedecemos ou aceitamos a escravidão”, declarou Colau quando, em 2013, o governo conservador se protegeu introduzindo leis contra os protestos públicos. Meses antes, depois de Colau ter recebido em nome da PAH o prémio da Cidadania Europeia do Parlamento Europeu, o partido de Mariano Rajoy reagiu imediatamente dizendo que se tratava de um escândalo e pedindo que o prémio fosse retirado.

Em Barcelona, se uma pessoa era desalojada e, em desespero, se dirigia à autarquia – liderada desde 2001 pelo nacionalista Xavier Trias, da Convergência e União (CiU) –, o mais provável era que fosse redireccionada para a PAH, que se ocupa de 90% dos casos com que se depara. É um organismo que contribuiu de forma decisiva para que aqueles que um dia se viam postos fora de casa pelos bancos por terem deixado de conseguir pagar as prestações do crédito não continuassem a sentir-se os exclusivos culpados da sua situação, dando-se conta de que as condições da hipoteca muitas vezes eram profundamente injustas.

A primeira vez que a PAH impediu um despejo foi em 2010. Ada Colau e o companheiro estavam entre um grupo de apenas 20 pessoas. A comissão judicial apareceu com o seu papel e foi dissuadida. Desde então, o movimento cresceu e impediu 1600 despejos. E foi de tal forma convincente na sua denúncia que alcançou uma mudança de paradigma, sendo hoje considerado a grande referência no activismo social em Espanha desde que os movimentos sindicais perderam influência na sociedade.

Colau venceu a corrida à frente da plataforma Barcelona en Comú, que além do Podemos reúne mais quatro partidos de esquerda, e tem já um plano de emergência para os primeiros meses, que se centra em quatro áreas: combater a precariedade e criar empregos dignos diversificando o modelo produtivo; garantir os direitos básicos; rever privatizações e a externalização dos serviços, bem como impedir projectos contrários ao bem comum e acabar com privilégios como os carros oficiais. A equipa de Colau fez as contas e acredita que o que será preciso para levar a cabo as principais medidas do seu plano é um investimento de 160 milhões de euros durante o último trimestre de 2015 e o primeiro semestre de 2016, o que, lembra, “representa uma parcela razoável de um orçamental municipal que ronda os 2310 milhões de euros”.

No fim, a sua melhor promessa é que não é preciso esperar por líderes extraordinários – um Mandela, um Gandhi ou um Martin Luther King. Basta alguém que se centre no essencial: “Despejar a máfia.”