Pedro Castro. Da Rua do Salitre ao Ironman

Pedro Castro. Da Rua do Salitre ao Ironman


Pedro Castro apresentou o livro em que conta os seus últimos anos.


Fez as pazes com o desporto e aproveitou para correr por inúmeras causas.

A biografia dos últimos cinco anos de vida de Pedro Castro, director financeiro do Banque PSA Finance, em Londres, podia ser sobre a ascensão exponencial de um português de 41 anos no difícil mundo financeiro. Mas não. No livro que apresentou esta semana, o dia-a-dia profissional passou para segundo plano e serve apenas de contexto para falar de um lado diferente da sua vida: o desporto. É que, por volta dos 36 anos, entre refeições demoradas e uma agenda complicada, chegou aos 98 quilos e mal conseguia subir uma rua de 350 metros. Agora corre por causas sociais e até já concluiu o Ironman, a rainha das provas, com 2,86 quilómetros de natação, 180,25 de bicicleta e, a terminar, uma maratona de corrida.

Mas comecemos pelo princípio. A caminho do mundo universitário, com 18 anos acabados de fazer, Pedro Castro teve aquilo que descreve como o primeiro “momento da verdade”. No Verão de 1992, Barcelona acolheu os Jogos Olímpicos, um sonho de infância deste então nadador do Sport Algés e Dafundo. Não conseguiu ir e acabou por desistir da natação, substituindo a dedicação bidiária ao desporto pelos estudos, em Economia, na Universidade Lusíada. “Foi o tal momento de viragem. O que é que eu ia ser no futuro? Treinador de natação? Não há muita carreira por aí”, contou ao i no dia em que apresentou o novo livro.

Da universidade ao mundo do trabalho a ascensão foi meteórica. Começou  como consultor financeiro na Arthur Andersen, onde permaneceu pouco menos de dois anos, e acabou por saltar para a General Electric. Foi nesta altura, na viragem do século, que a sua vida ganhou mais um foco, que passaria a partilhar com a carga horária habitual do trabalho: a preparação para o casamento. Vivíamos o ano de 2001, o mesmo que lhe daria o prémio de funcionário europeu do ano, fruto das muitas tarefas que acumulava na empresa.

Entre mais algumas formações universitárias, Pedro Castro chegou em 2005 ao Banco Santander Consumer, para a penúltima aventura profissional da sua carreira. Seria o administrador financeiro do banco, cargo que desempenhou ao longo de dez anos. A meio da sua passagem pelo banco, no culminar “de uma travessia de 20 anos sem fazer qualquer desporto”, Pedro Castro decidiu acabar com o sedentarismo. “Sentia que estava a morrer aos poucos no banco.” Longe iam os tempos da natação, onde era um “slim fit”, que podia comer o que queria e que nunca iria parecer gordo no seu 1,86 m. 

O tempo não perdoou, e muito menos os bifes que ingeria com uma frequência diária na Cervejaria Ribadouro, na Avenida da Liberdade. Chegou aos 98 quilos, mas só se assustou quando um dia, a subir a Rua do Salitre, no final dos 350 metros que separavam o restaurante do banco, se sentiu mal, com a bronquite asmática a atacá-lo em força. Estávamos em 2010, e na altura de mudar de vida. “É um processo degenerativo, e estava demasiado ocupado no trabalho e na família para perceber as consequências. Às tantas esqueces-te que precisas de saúde para teres um bom desempenho no trabalho.”

Mudança de vida Não deixou passar nem mais um dia, apesar do cepticismo da mulher. “A Ana não ligou muito. Ela praticamente não conheceu o Pedro Castro atleta quase olímpico, que desapareceu em 1992, três anos antes de a conhecer.” Começou de forma amadora, “com uns ténis de pano da Timberland, a tentar dar uma volta à ilha” onde passava férias. Depois passou para uns Nike de pano. “Só disparates”, recorda, admitindo que queria “era começar a correr e a fazer alguma coisa” para mudar.

As pequenas vitórias começaram a chegar e foi conseguindo correr distâncias  cada vez mais longas e com uma maior cadência. Em Dezembro de 2010 fazia a primeira competição: os 10 quilómetros da São Silvestre. Demorou quase 58 minutos a completar o percurso, mas, mais importante do que isso, terminou a prova a sentir-se bem e sedento de aumentar a distância, logo no desafio seguinte. Inscreveu-se de imediato na meia maratona de Lisboa, marcada para Março do ano seguinte. Não foi fácil e, à passagem do quilómetro 18, e já bem perto do final, quase desistiu. “Decidi acabar e mentalizei-me de que um dia iria fazer uma maratona, a de Nova Iorque”, decidiu, a custo.

Foi aí que tudo começou realmente. “Passei de um corredor autodidacta para um mais acompanhados, com cuidados alimentares e acompanhamento técnico.” Em 2012, Pedro Castro estava pronto para finalmente alcançar esse objectivo, imitando o seu ídolo de infância, Carlos Lopes, que em 1984 trouxe a primeira medalha de ouro para Portugal, nos Jogos Olímpicos de Los Angeles. Por cortesia do furacão Sandy, a prova acabaria por ser cancelada. Desolado, Pedro pesquisou por uma alternativa e, nas redes sociais, esbarrou na Run Anyway, “um movimento alternativo e de cariz social, que replicava no Central Park a maratona cancelada”. Chegou e viu 15 ou 20 mil pessoas com camisolas de apoio a várias causas. “Aquilo mexeu comigo. Dei duas voltas [de um total de quatro] com as lágrimas a escorrerem–me pela cara. As pessoas abraçavam--se. Vi delegações inteiras de países com as suas bandeiras, algo incrível. ‘O que é que aqui se passou?’, era a pergunta que eu fazia no regresso ao hotel.”

Quando chegou a Portugal não teve dúvidas: queria fazer o seu próprio movimento social. “Se a maratona tivesse acontecido, nada disto se teria passado. É um exemplo de que um facto aparentemente adverso mais à frente faz todo o sentido.” Os amigos, que sabiam o que se tinha passado em Nova Iorque, juntaram-se a ele na Maratona de Lisboa – em modo estafeta, cada um a alternar com o seguinte. E assim, de forma espontânea, nascia o Run with Castro, o seu projecto pessoal, que teria a primeira iniciativa social com a Fundação O Século, para que as famílias das 37 crianças ao abrigo da instituição pudessem receber cabazes de Natal. Foi um sucesso e a acompanhá-lo na sua primeira maratona estiveram 26 amigos. Pedro terminaria em três horas e 38 minutos, sete abaixo do seu objectivo.

Como uma iniciativa puxa outra e Castro não sabe estar parado, lembrou-se que podia escrever um livro, uma história de superação, que inspirasse os outros a ajudarem alguém e a correrem ao lado de muitos amigos. “Fiz a abordagem à Lua de Papel, porque editou o ‘Nascidos para Correr’, o livro de maior êxito sobre o tema. Disseram-me que eu tinha uma história engraçada, mas que ainda não tinha corridas e iniciativas suficientes. Pediram-me que não desistisse e que continuasse a escrever. Entendi aquilo como um até sempre, mas continuei com as minhas anotações.”

mais que correr Pedro Castro continuou a correr e a ajudar cada vez mais associações. Chegou a realizar duas maratonas, a Rock’n’Roll de Lisboa e a de Atenas, com um triatlo pelo meio, apenas no espaço de um mês. Em 2013 parecia que não havia provas suficientes no calendário para o que queria fazer. Sim, leu bem, “com um triatlo pelo meio”. Incentivado pelos amigos, que sabiam do seu passado de nadador, Pedro decidiu inserir no seu treino a natação e o ciclismo. Na primeira modalidade as coisas correram bem desde o início, a ponto de ter impressionado uma treinadora ucraniana, que presenciou o seu regresso às piscinas. No ciclismo a história foi outra. “Foi um processo de aprendizagem quase do zero”, que lhe valeu alguns acidentes e humilhações públicas. Dedicou-se mais ao ciclismo e hoje é quase tão bom como nas restantes modalidades.

As suas iniciativas passaram a ter alguma cobertura mediática, o que chamou a atenção da Lua de Papel, desta vez por iniciativa da editora, e também da Presidência da República, que lhe concedeu o alto patrocínio. Estava na altura de se superar e levar a cabo a prova mais difícil da sua vida desportiva, o Ironman. “Há um dia em 2014, com a preparação para o Ironman, em que a Lua de Papel me liga a perguntar se ainda estava a escrever, desta vez já interessados em editar a minha história.” Pedro meteu na cabeça que não iria apenas completar o Ironman, uma prova de 2,86 quilómetros de natação, 180,25 de bicicleta e os 42,2 de uma maratona, mas sim fazê-lo abaixo das 11 horas. O seu treinador, Nuno Barradas, questionou o objectivo, avisando Pedro de que terminar já seria uma grande conquista. Nada a fazer, o maratonista solidário estava decidido. E aqui surgiu um pacto com o treinador, que lhe prometeu que se conseguisse alcançar o objectivo o ajudaria com o livro.

Entretanto, o projecto do Ironman recebeu inúmeros apoios, que reverteriam para a Associação Acreditar, com o objectivo de ajudar as suas crianças a concretizarem o sonho de ir à Disneylândia. Pedro decidira apoiar este projecto por, na altura, ser considerado fútil para as outras empresas, que constantemente diziam à Acreditar que preferiam que os seus donativos fossem canalizados para outras necessidades. Depois de 30 semanas de treinos intensos, em que fez os possíveis para não perturbar a sagrada rotina familiar, nem sempre o conseguindo, o objectivo seria alcançado, em Junho de 2014, na Áustria. Pedro e a sua camisola, onde constavam o nome de muitas empresas e dos 220 donativos que recebeu, completaram a prova em 10 horas 51 minutos e 37 segundos. E assim estava prestes a nascer “Vontade de Ferro”, o livro de Pedro Castro, apresentado na passada segunda-feira, em que o autor, em parceria com o seu treinador, Nuno Barradas, e o jornalista Filipe Duarte Santos conta a história da sua vida nos últimos cinco anos.

O prefácio é de Carlos Lopes, o seu herói de infância e um dos melhores atletas da história de Portugal. “Desmultipliquei-me em contactos até arranjar o dele. E depois foi insistir até ter um sim. Fiz-lhe ver que, pelo significado e inspiração que ele foi para mim, o livro precisava do prefácio dele. Hoje tenho ali um amigo.” Para o futuro, Pedro Castro não tem a ambição de ir mais longe, pelo menos em termos de distâncias. Ainda em 2014 concretizou o antigo sonho de fazer a maratona de Nova Iorque, onde, mesmo lesionado e mentalizando-se de que apenas desfrutaria da prova, conseguiu completá-la em três horas e 16 minutos, classificando-se nos primeiros 5%. Melhor só mesmo em Paris, ainda hoje o seu recorde pessoal. Ali completou os mais de 42 quilómetros em apenas três horas e 10 minutos.

Após aquela tarde de 2010, há apenas cinco anos, em que mal conseguiu percorrer 350 metros, Pedro Castro é um homem novo, com uma história inspiradora para contar. “Tenho 78 quilos. Dá para acreditar que já tive mais 20?” Mas a vida dá muitas voltas, e em Janeiro Pedro mudou-se para Londres, para assumir o cargo de administrador financeiro do Banque PSA Finance, do grupo Peugeot Citroën, numa joint venture com o Santander. “Neste momento passo por um período de indefinição em Londres. Faço os meus treinos, mas falta-me a dinâmica que tinha em Portugal, de correr acompanhado. Tinha os meus amigos, os meus clubes de corrida, o clube de triatlo, e corria sempre com pessoas. Agora isso não acontece, sou o corredor solitário em vez do maratonista solidário, como muitas vezes me chamaram. Ando à procura de clubes pelos quais possa participar em provas, mas pelo menos já estabilizei a logística diária, e corro com frequência em Hyde Park.”