Acha-se mais útil a trabalhar com grupos do que individualmente e por isso optou pela investigação, deixando para trás o lado mais clínico da psicologia. Margarida Vaz Garrido está há dois anos à frente da Associação Portuguesa de Psicologia e é directora do departamento de Psicologia do ISCTE, instituição que tem servido de espaço à sua investigação, ligada aos processos cognitivos. “Desafia-me perceber como funcionamos, como pensamos e como percebemos os outros”, conta em entrevista ao i.
Estamos a ir mais ao psicólogo?
Não sei se somos nós que vamos mais ao psicólogo ou se é o psicólogo que vai mais ao encontro das pessoas. Passámos da tradição de ir ao psicólogo para que seja o psicólogo a ir aos sítios. Estão na saúde, nas escolas, nas organizações, estão nos bairros. Há mais contacto directo entre o psicólogo e as pessoas. Por outro lado, acabou-se com o estigma de ir ao psicólogo.
Como se foi atenuando esse estigma?
Da mesma maneira que se perdeu a vergonha de fazer outras coisas, além de que quero acreditar que caminhamos para uma sociedade mais tolerante. Além disso, democratizou-se o acesso ao psicólogo. O facto de o Serviço Nacional de Saúde e os seguros de saúde comparticiparem consultas de psicologia ajuda a que seja aceite como uma coisa mais normal.
O acesso é mais fácil?
Eu acho que fácil é, o problema está na qualidade do serviço. Enquanto em grandes centros há uma selecção natural, ou seja, os bons psicólogos são conhecidos e têm filas de espera – assim como os bons médicos, os bons advogados ou os bons cabeleireiros –, no Portugal profundo ninguém sabe muito bem que psicólogos existem e que tipo de práticas exercem. Além disso, quando se trabalha num consultório, ninguém sabe o que lá se passa e isso não é bom. A supervisão é essencial.
O que se passa no consultório não deve ser sigiloso?
Claro que sim, mas partilhar experiências e tirar dúvidas sem dizer o nome do paciente não vai quebrar o sigilo. É importante que haja uma comunicação com os pares, só assim se percebe a qualidade do serviço prestado. É natural que eu não saiba resolver todos os problemas e questione os meus colegas, e não é por isso que sou menos profissional.
Em Portugal, quem vai ao psicólogo precisa mesmo?
Depende da natureza do problema. As pessoas que queiram resolver problemas com o casamento ou com elas próprias, sem dúvida que beneficiam de ir ao psicólogo. Mas não me parece correcto que as pessoas sejam encaminhadas para um psicólogo se não houver motivos suficientes.
Acha que recorrer ao psicólogo passou a ser uma moda?
Penso logo numa classe mais abastada, num estilo Woody Allen (risos). Mas acho que não é uma moda, se as pessoas vão é porque se sentem bem com isso. Vai-se mais ao psicólogo como também se vai mais ao dentista. Morríamos se não tivéssemos os dentes direitos? Não, mas o bem-estar passou a ser mais valorizado.
Qual é o perfil do português que vai ao psicólogo?
Tendo em conta que é uma coisa que só há pouco tempo deixou de ser um estigma e, por outro lado, só há pouco começou a ser comparticipada, não existem muitas estatísticas que permitam saber quem vai ao psicólogo.
Mas acha que o tipo de pessoas que vai se foi alterando?
Isso sim, sem dúvida. Ao tornar-se uma coisa mais democrática, há mais homens a ir ao psicólogo e pessoas de outras classes sociais. Mas é preciso pensar a psicologia para lá da clínica. Existem muitas áreas que hoje em dia têm a mesma importância.
Como, por exemplo?
Nas organizações. Não só no recrutamento, mas na percepção do que é o bem-estar das organizações e de quem lá trabalha, perceber o que motiva as pessoas no trabalho. Falamos de coisas que podem ir desde a luz que existe no escritório ao trabalhar num open space ou ter um horário flexível.
O que somos no trabalho reflecte-se em casa?
Pode reflectir. Se passamos muito tempo no trabalho, é bom que seja um espaço que nos dê prazer. Felizmente, grande parte das pessoas já não trabalham só para comer, trabalham naquilo que lhes dá prazer e realização pessoal.
Quem procura um psicólogo fá-lo por que razões?
Depende da fase da vida. Em alturas como a que passamos agora, o desemprego e a insegurança financeira elevam os níveis de stresse das pessoas, o que aumenta a necessidade de um acompanhamento. Por outro lado, essa instabilidade financeira faz com que não haja dinheiro para ir ao psicólogo.
A crise tem diminuído a ida às consultas?
Quando não há dinheiro, há coisas que se descuram.
A saúde mental nunca é uma prioridade?
Cada vez é mais. Não é o topo das prioridades, mas devia ser. Sabe-se que quanto mais vulnerável psicologicamente se está, mais vulnerável fisicamente se fica. Mesmo a nível económico, os problemas de saúde mental têm custos elevadíssimos para o governo. As baixas, o absentismo, o ter trabalhadores fisicamente no local de trabalho mas a produzir zero, tudo isso gera custos directos e indirectos.
A solução passaria por ter um psicólogo em cada empresa?
Não diria isso, mas deveria haver mais preocupação com o bem-estar do trabalhador.
Somos um dos maiores consumidores de antidepressivos da União Europeia. Há uma explicação para isso?
Os antidepressivos massificados não são prescritos por psiquiatras, os profissionais que diagnosticam uma depressão, mas sim por médicos de clínica geral. É importante que se perceba que andar em baixo ou chateado com a vida é normal, não é uma depressão. Uma enorme percentagem das pessoas que tomam antidepressivos não está clinicamente deprimida e não foi diagnosticada correctamente.
Os médicos do SNS vão ter, a partir de Setembro, uma plataforma online de combate à depressão. Poderá ajudar no diagnóstico?
Não tenho nada contra instrumentos online que ajudem no diagnóstico, seja de depressões seja de cancros da mama. Acho mais problemático que sejam profissionais sem formação numa determinada área a prescrever tratamentos para áreas que não dominam. A plataforma pode servir para ajudar no diagnóstico feito pelo médico de clínica geral, mas não se trata uma depressão por elearning.
Portugal tem psicólogos em número suficiente?
Temos tudo o que seja profissionais qualificados em número insuficiente, além de estarem mal distribuídos.
Onde fazem mais falta?
Em todo o lado, mas principalmente longe das grandes cidades. O interior do país não é atractivo para os profissionais de saúde.
Quais são os desafios actuais da psicologia?
Se pensarmos na área da investigação, o foco deve ser centrado no alargamento das fronteiras da psicologia. Cada vez mais, o psicólogo tem de trabalhar com outras áreas – e não falo necessariamente daquelas às quais está tradicionalmente ligado. A psicologia está mais perto da economia e das neurociências que da sociologia. Se falarmos da psicologia clínica, sinto que se está a trabalhar para a melhoria da formação profissional dos psicólogos e, por outro lado, está a ser feito um esforço para regular a profissão, que deve monitorizar os profissionais de cada área mas sem limitar a sua actuação.
E qual é o papel da Associação Portuguesa de Psicologia nesse trabalho?
Promovemos e divulgamos o conhecimento científico em Portugal através de uma revista e da divulgação de tudo o que é feito na ciência ligada à psicologia no nosso país. Uma das coisas que mais me surpreendeu foi perceber que na nossa área, como em outras, os profissionais, depois de terminarem a sua formação, nunca mais se mantêm a par das inovações teóricas da disciplina. Isso é muito grave. Daí o nosso esforço para promover encontros de profissionais através de fóruns e conferências.