Ir ao psicólogo já é banal mas há quem o troque por um antidepressivo

Ir ao psicólogo já é banal mas há quem o troque por um antidepressivo


A vontade de uma solução instantânea, a par da falta de dinheiro para consultas, faz aumentar o recurso a antidepressivos  


Trabalhava há três anos numa função que era para ser provisória. Não era a sua área, não gostava do que fazia e os níveis de stresse estavam no vermelho. Licenciada em psicologia, Ana decidiu aos 28 anos procurar a ajuda da qual sabia toda a teoria: “Para nós psicólogos, é muito mais fácil dizer aos outros o que fazer do que usar isso para a nossa vida.”

 A frustração no trabalho já se reflectia na vida pessoal. Não se sentia boa companhia para o namorado com quem vive, já que todos os dias chegava a casa com vontade chorar, começou a desleixar-se com o seu aspecto e antes de mergulhar na depressão, decidiu procurar a ajuda de um profissional. “Nunca pensei ter que recorrer a um psicólogo por causa do trabalho, mas a verdade é que me ajudou a racionalizar algumas coisas que estavam confusas”. Aprendeu a gerir o stresse e a situação estabilizou durante uns meses. Quando percebeu que a dificuldade em lidar com a ansiedade vinha por ciclos, lembrou-se de quando a psicóloga lhe disse que não é totalmente descabido acabar de vez com a fonte de stresse e despediu-se: “Ganhei uma nova energia e vontade de começar de novo.” Apesar da passagem pelas consultas ter sido de curta duração, Ana não escondeu o problema de ninguém. “Não é vergonha nenhuma, pelo contrário. Percebi que tinha um problema e procurei ajuda para o resolver.” A proactividade de Ana é comum à de muitos portugueses, que cada vez mais recorrem à ajuda de profissionais para resolver problemas ligados à saúde mental.

Apesar do stresse, a competitividade ou o bullying laboral serem também temas que encabeçam a lista de queixas de quem procura ajuda profissional, ao consultório de Cristina Cardoso chegam, na sua maioria, pessoas que querem aprender a lidar com uma perda. “Falo de morte, mas também de divórcios e separações, por muitos encarados também como pequenas mortes”, explica ao i.

Independentemente da causa que leva à procura de ajuda profissional, o bastonário da Ordem dos Psicólogos, Telmo Mourinho Baptista, acredita que, ao contrário do que acontece noutros países com níveis de vida mais elevados, em Portugal quem vai ao psicólogo é porque precisa mesmo. “O nosso nível de vida não dá para que se faça da ida ao psicólogo um capricho, quem vai é mesmo porque acha necessário”, resume.

Antidepressivos em máximos Estima-se que um em cada cinco portugueses sofra de problemas de saúde mental, mas o bastonário acredita que estamos longe de ter esse número de pessoas com o devido acompanhamento. “Se por um lado não temos psicólogos em quantidade suficiente, por outro, a crise afasta a população dos consultórios ou faz com que interrompam tratamentos a meio.” Para as duas realidades, Telmo Mourinho Baptista apresenta números: Portugal tem um psicólogo para 16 638 portugueses, quando o rácio recomendado é de um por cinco mil. Para provar os efeitos da crise na saúde mental, o bastonário lembra um estudo da DECO, segundo o qual existe ainda uma grande fatia de portugueses a ficar-se pela ajuda do médico de família, em alternativa à consulta com um psicólogo.

A falta de uma consulta especializada e a procura por uma solução imediata, são apontadas pelo bastonário como as principais razões para que Portugal se mantenha à frente na venda de antidepressivos. Só no ano passado, foram vendidas nas farmácias 8,5 milhões de embalagens, o que dá uma média de 23 mil caixas por dia. 

Segundo escreveu o “Diário de Notícias” em Abril último, as depressões e a ansiedade são os problemas que mais afectam a saúde mental dos portugueses e as principais queixas dos pacientes centram-se no desemprego, seja do próprio ou seus familiares, a emigração dos filhos, que deixa os mais velhos numa situação mais frágil e depressiva, e a falta de esperança no futuro.

“Tens uma dor no braço e tomas um Ben-u-ron, tens uma dor na alma e tomas um ansiolítico”, ironiza Cristina Cardoso, aproveitando para lembrar que, apesar do alívio ser imediato, “o foco do problema não é trabalhado nem compreendido”. 

Apesar de acreditar que há pessoas que deviam ser acompanhadas e não o são – “ou por falta de à-vontade em falar com um médico, ou por falta de conhecimentos, ou mesmo por falta de dinheiro” – a psicóloga clínica está convencida que uma boa rede social podia evitar algumas idas ao médico. “Quando as pessoas têm bons amigos, uma rede familiar estável e uma vida social preenchida, a vida ganha significado. Quando isso não acontece, acabam por recorrer ao psicólogo por se sentirem sozinhas”, conclui.