Todas as noites os pais de Carlos Costa esperam pelo telefonema do filho antes de se deitarem. Aos 65 anos, o governador do Banco de Portugal cumpre religiosamente o ritual – sabe que eles só ficam sossegados depois do seu telefonema de boas-noites. Mas afinal quem é este homem que foi capaz de acabar com a marca BES num fim-de-semana, provocando um verdadeiro tsunami? E, mais importante ainda, quem é este homem que foi alvo de todas as críticas, mas apesar disso conseguiu manter o cargo?
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Natural de Oliveira de Azeméis, Carlos Costa é um homem reservado. Não fala nem de mais nem de menos, fecha completamente a sua vida privada dos olhares públicos, mas tem, segundo alguns dos seus próximos, um grande sentido de humor.
Amigo íntimo de Teixeira dos Santos, Carlos Costa faz parte do influente grupo de economistas do Porto a que pertencem também Daniel Bessa, director–geral da Cotec, Carlos Tavares, presidente da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, e Alberto de Castro, presidente do conselho de administração do recém-criado Banco de Fomento. São todos amigos dos tempos da Faculdade de Economia do Porto. Carlos Tavares trabalhará com Carlos Costa no Banco Português do Atlântico, que Costa dirigiu entre 1981 e 1985.
Os mais próximos têm-no em grande conta. “É uma pessoa séria, muito competente, e mesmo no caso BES fez de certeza o melhor que sabia, embora seja fácil criticar quando se está de fora”, conta Miguel Beleza, que também foi governador da instituição. Beleza só tem um reparo a fazer: os extensos relatórios que Costa lhe enviava quando estava na REPER, a Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia. “Eram páginas e páginas de informação, não deixava passar nada. Eu tinha acesso aos detalhes mais ínfimos”, recorda Miguel Beleza.
Ao amigo de longa data Teixeira dos Santos deve a nomeação para o primeiro mandato como governador do Banco de Portugal. Enquanto vice-presidente do BEI (Banco Europeu de Investimento), com responsabilidade pela direcção financeira e pelas operações de crédito para investimento, nomeadamente em Portugal, Carlos Costa ajudou a desbloquear financiamentos para as parcerias público-privadas criadas durante a governação de José Sócrates. O convite para liderar o Banco de Portugal chegou pouco tempo depois, tendo tomado posse a 7 de Junho de 2010.
A sua proximidade com o ex-ministro de Estado e das Finanças Vítor Gaspar também é grande. Uma relação que alguns consideram ter sido determinante para a indigitação de Alberto de Castro, primeiro para a comissão instaladora do Banco de Fomento – a instituição financeira que vai gerir uma parte dos fundos europeus do actual quadro comunitário –, e mais tarde para presidente do conselho de administração. Alberto de Castro conseguiu também um ordenado milionário, em linha com o que se ganha no sector financeiro privado. Carlos Costa era director-geral no BCP quando foi o caso das offshore e mesmo assim conseguiu passar incólume pelo escândalo que acabou por provocar a saída de Jardim Gonçalves de um dos maiores bancos portugueses.
Passos adora-o A admiração que o primeiro-ministro tem pelo governador que agora decidiu reconduzir é bem conhecida. Passos Coelho tem um verdadeiro fascínio por Costa, segundo fontes próximas dos dois. Talvez porque a carreira do homem que está agora à frente do Banco de Portugal tenha um longo percurso internacional, tendo sido chefe de gabinete de João de Deus Pinheiro quando este era comissário europeu, vice-presidente honorário do Banco Europeu de Investimento, professor catedrático convidado da Universidade Católica do Porto e da Universidade de Aveiro e ainda presidente do conselho consultivo da Faculdade de Economia da Universidade Católica do Porto.
Mas a sua influência sobre o Presidente da República também não passa despercebida. Carlos Costa foi uma das personalidades que convenceram Cavaco Silva a formar um governo tripartido com o PSD, o CDS e o PS logo a seguir à demissão de Paulo Portas em 2013. O projecto não vingou por falta de acordo entre os dois maiores partidos portugueses, mas o governador do Banco de Portugal manteve intacta a sua reputação junto da Presidência da República.
Internacionalmente também é conhecido como um economista competente e bem conhecedor do sistema bancário, tendo integrado, a título pessoal, o Conselho Superior para a Reforma do Sistema Financeiro 1992, cujo “Livro Branco sobre o Sistema Financeiro” serviu de base à reforma global do quadro legislativo do sistema financeiro português.
Os vexames O caso BES mostrou um outro lado de Carlos Costa: a sua inabilidade para a política pura e dura. Pouco habituado a lidar com a classe, não resistiu ao bombardeamento dos deputados da comissão parlamentar de inquérito ao banco que extinguiu em menos de 48 horas. E não se saiu bem.
Evidenciou contradições, sobretudo no que toca à responsabilidade sobre o papel comercial do GES, chegou a emocionar–se, e até ouviu do presidente da comissão, Fernando Negrão, o verso de Herberto Helder “Não sei como dizer-te que a minha voz te procura” para o sensibilizar para os milhares de portugueses que perderam todas as economias na voragem da derrocada do maior grupo e banco português. “O problema”, garantiu Costa a 24 de Março, “é que ninguém imagina o que é resolver um banco… Ao fim de uma semana”, garantiu, “um indivíduo está esgotado.” Mesmo assim, admitiu, “valeu a pena. Os poucos cabelos pretos que ainda tinha desapareceram. Não desejo nem ao meu pior inimigo ter de passar por aquilo que a equipa do banco passou.”
A par desta primeira experiência com o mundo da política pura e dura, o governador teve ainda de conviver com uma outra realidade inusitada na redoma de vidro onde vive na Baixa de Lisboa, no edifício que ocupa um quarteirão na Rua do Comércio. Os gritos dos que lhe chamavam “gatuno!”, numa manifestação organizada pelos lesados do BES na rua de acesso ao seu prédio, no Parque das Nações.
Foi a primeira vez que um governador do Banco de Portugal foi sujeito a um vexame deste tipo. Mas que certamente se repetirá no segundo mandato, à medida que o problema do papel comercial do Grupo Espírito Santo se for arrastando. Sobretudo porque, ao contrário de Cavaco na febre bolsista da década de 80, não foi capaz de dizer que os portugueses estavam a “vender gato por lebre”.