Setenta e cinco cêntimos


Que sociedade desalmada é esta que premeia o corrupto, elege o cretino, salva o banqueiro, e faz da esperteza canalha virtude?


Quanto vale um homem? A resposta a esta pergunte depende da ponderação de múltiplos factores, mas principalmente, depende de quem num determinado momento, por dever de ofício ou de credo místico, tem o poder de fazer a apreciação do ser humano ali nu e exposto para sua deliberação.

Para a mãe, o homem parido terá sempre o valor de uma renovada esperança redentora. Para o banqueiro é um risco e vale sempre metade.  Para o clérigo vale o dízimo que lhe confere a leveza da alma. Para o companheiro dos dias sem luz, da partilha do pão, do igual de pé perante o algoz, tem a importância da palavra que não desonra e isso tem um valor incalculável.   

Os esclavagistas, hoje também conhecidos por traficantes ou CEOs, apreciavam os dentes, os músculos, a capacidade reprodutora, e assim atribuíam um valor à peça.

E para um politico, quanto vale um homem para um politico? Vale unicamente o voto que lhe garante cadeira, legitima e valida o sistema? Ou tem o valor do compromisso, da missão e do empenhamento na defesa dos direitos e na procura das soluções para uma vida melhor que nos eleve à contemplação da dignidade do homem e da sociedade?

A semana passada, na pressa de entregar os filhos na escola, fui atordoado por uma notícia da rádio que relatava que algures ao norte estavam trabalhadores aflitos sem salários, sendo que alguns deles já nem setenta e cinco cêntimos tinham para comer no refeitório da fábrica.   

Não consegui esquecer a situação daqueles homens, quis saber mais. São cerca de 140 operários da empresa CAMAC de Santo Tirso com salários por receber, inclusive o subsídio de Natal de 2014.

São 140 famílias, homens mulheres e crianças. Vi uma foto, juntos aos portões da empresa, consumidos pela ameaça de uma pobreza maior, a fazer faenas à fome, e a esquecer os colegas levados para o hospital por ataques de ansiedade, ou como dizia um trabalhador a um jornalista “há colegas que fazem sacrifício para pagarem os 75 cêntimos do almoço e têm vergonha de pedir”

Criamos sociedades de abundancia e deixamos que o sofrimento medieval atinja os filhos dos nossos semelhantes.

Pensamos em demasia e vaidosos, sentimos muito pouco. Precisamos de mais humanidade, a nossa indiferença semeia desespero, e o desespero o sentimento de vingança justiceira. A nossa pose de espectador ilustrado é um acto de cobardia.

Que sociedade desalmada é esta que permeia o corrupto, elege o cretino, salva o banqueiro, faz da esperteza canalha virtude, e não protege o mais fragilizado que deveria ser o centro de toda a acção politica?

Estes dramas sociais repetem-se por todo o país, no entanto e neste caso, a revelação que a homens que todos os dias vendem a sua força e capacidade de trabalho, que contribuem para o conjunto da riqueza nacional, não restam 75 cêntimos para comer, não criou um clamor entre a elite política e os fazedores de opinião. Revela que para eles, os operários de Santo Tirso valem menos que um café e um bolo numa pastelaria de Lisboa.

No entanto se os trabalhadores da CAMAC forem votar nas eleições legislativas, cada voto individual vai valer 3,15 euros para os cofres do partido escolhido, o que perfaz 12 euros ao fim dos quatro anos. Ou seja o equivalente a 16 refeições no refeitório da empresa.

Não se esqueçam na altura de votar, que esta ficção de democracia é paga com o vosso dinheiro, o vosso sacrifício, e a fome dos vossos filhos.

Um sistema que permite tratar desta forma, homens que só reclamam o pagamento do seu trabalho ao ponto de os fazer passar fome, é um sistema que me humilha a mim também.

Não podemos nem devemos ficar silenciosos, não é uma questão de bandeira partidária, é uma questão moral, de sentido de humanidade e de comportamento cívico.

Peço a Pacheco Pereira, Jorge Coelho, Lobo Xavier, Marcelo Rebelo de Sousa, Marques Mendes, Miguel Sousa Tavares, Francisco Louçã, Augusto Santos Silva, Ricardo Costa, José António Saraiva, Daniel Oliveira, que na opinião que influenciam sejam também porto de abrigo e acto de denúncia.

Se para uns isso será um acto de convicção, para outros que seja pelo menos por uma questão de moral.

Peço desculpa por sentir a impotência de que aquilo que faço é nada, e o que digo não ser suficiente para além do abraço solidário com homens e mulheres em luta.

Este não é o meu sistema. Farei sempre por ser parte da esperança e não do silêncio do abandono.

Consultor de comunicação
Escreve às quintas-feiras

Setenta e cinco cêntimos


Que sociedade desalmada é esta que premeia o corrupto, elege o cretino, salva o banqueiro, e faz da esperteza canalha virtude?


Quanto vale um homem? A resposta a esta pergunte depende da ponderação de múltiplos factores, mas principalmente, depende de quem num determinado momento, por dever de ofício ou de credo místico, tem o poder de fazer a apreciação do ser humano ali nu e exposto para sua deliberação.

Para a mãe, o homem parido terá sempre o valor de uma renovada esperança redentora. Para o banqueiro é um risco e vale sempre metade.  Para o clérigo vale o dízimo que lhe confere a leveza da alma. Para o companheiro dos dias sem luz, da partilha do pão, do igual de pé perante o algoz, tem a importância da palavra que não desonra e isso tem um valor incalculável.   

Os esclavagistas, hoje também conhecidos por traficantes ou CEOs, apreciavam os dentes, os músculos, a capacidade reprodutora, e assim atribuíam um valor à peça.

E para um politico, quanto vale um homem para um politico? Vale unicamente o voto que lhe garante cadeira, legitima e valida o sistema? Ou tem o valor do compromisso, da missão e do empenhamento na defesa dos direitos e na procura das soluções para uma vida melhor que nos eleve à contemplação da dignidade do homem e da sociedade?

A semana passada, na pressa de entregar os filhos na escola, fui atordoado por uma notícia da rádio que relatava que algures ao norte estavam trabalhadores aflitos sem salários, sendo que alguns deles já nem setenta e cinco cêntimos tinham para comer no refeitório da fábrica.   

Não consegui esquecer a situação daqueles homens, quis saber mais. São cerca de 140 operários da empresa CAMAC de Santo Tirso com salários por receber, inclusive o subsídio de Natal de 2014.

São 140 famílias, homens mulheres e crianças. Vi uma foto, juntos aos portões da empresa, consumidos pela ameaça de uma pobreza maior, a fazer faenas à fome, e a esquecer os colegas levados para o hospital por ataques de ansiedade, ou como dizia um trabalhador a um jornalista “há colegas que fazem sacrifício para pagarem os 75 cêntimos do almoço e têm vergonha de pedir”

Criamos sociedades de abundancia e deixamos que o sofrimento medieval atinja os filhos dos nossos semelhantes.

Pensamos em demasia e vaidosos, sentimos muito pouco. Precisamos de mais humanidade, a nossa indiferença semeia desespero, e o desespero o sentimento de vingança justiceira. A nossa pose de espectador ilustrado é um acto de cobardia.

Que sociedade desalmada é esta que permeia o corrupto, elege o cretino, salva o banqueiro, faz da esperteza canalha virtude, e não protege o mais fragilizado que deveria ser o centro de toda a acção politica?

Estes dramas sociais repetem-se por todo o país, no entanto e neste caso, a revelação que a homens que todos os dias vendem a sua força e capacidade de trabalho, que contribuem para o conjunto da riqueza nacional, não restam 75 cêntimos para comer, não criou um clamor entre a elite política e os fazedores de opinião. Revela que para eles, os operários de Santo Tirso valem menos que um café e um bolo numa pastelaria de Lisboa.

No entanto se os trabalhadores da CAMAC forem votar nas eleições legislativas, cada voto individual vai valer 3,15 euros para os cofres do partido escolhido, o que perfaz 12 euros ao fim dos quatro anos. Ou seja o equivalente a 16 refeições no refeitório da empresa.

Não se esqueçam na altura de votar, que esta ficção de democracia é paga com o vosso dinheiro, o vosso sacrifício, e a fome dos vossos filhos.

Um sistema que permite tratar desta forma, homens que só reclamam o pagamento do seu trabalho ao ponto de os fazer passar fome, é um sistema que me humilha a mim também.

Não podemos nem devemos ficar silenciosos, não é uma questão de bandeira partidária, é uma questão moral, de sentido de humanidade e de comportamento cívico.

Peço a Pacheco Pereira, Jorge Coelho, Lobo Xavier, Marcelo Rebelo de Sousa, Marques Mendes, Miguel Sousa Tavares, Francisco Louçã, Augusto Santos Silva, Ricardo Costa, José António Saraiva, Daniel Oliveira, que na opinião que influenciam sejam também porto de abrigo e acto de denúncia.

Se para uns isso será um acto de convicção, para outros que seja pelo menos por uma questão de moral.

Peço desculpa por sentir a impotência de que aquilo que faço é nada, e o que digo não ser suficiente para além do abraço solidário com homens e mulheres em luta.

Este não é o meu sistema. Farei sempre por ser parte da esperança e não do silêncio do abandono.

Consultor de comunicação
Escreve às quintas-feiras