António costa com Edite Estrela © Steven Governo/Lusa
O paciente jogo de xadrez a que os blocos alternativos de governo se dedicam de há umas semanas a esta parte está para continuar. Desde que assumiu o poder no PS, António Costa foi, numa “primeira fase” de passividade, apontado como actor da hesitação. Alguém que, insuportavelmente, veria caída no regaço a próxima maioria apenas fazendo-se de espectador silente dos sacrifícios e contradições da maioria PSD/CDS.
Alguém que, sibilinamente, apostaria tudo no desgaste dos efeitos da “austeridade” para além da troika. Alguém que, implicitamente, se alinhava mais à esquerda para crescer nessa bolsa de insatisfação que nunca ponderará votar numa outra oportunidade para Passos Coelho e Portas.
Com essa inércia a ter consequência visível na estabilização do PS nas intenções de voto e no esvaziamento progressivo do balão de uma outra forma de governação, o certo é que teve uma outra consequência estratégica: Costa acelerou, abreviou e antecipou.
Saiu da Câmara, apresentou o programa da equipa de Mário Centeno com a linha económica e as propostas mais estruturais para o futuro e partiu para a aquisição de autoridade para o múnus. Com isso mostrou que estava virado ao centro decisor de maiorias e à classe média empresarial e do funcionalismo. Costa cavalgou essa sua “segunda fase” com a óbvia vantagem de ter surpreendido a coligação na qualidade do documento económico-estrutural e virou a mesa. Foi neste ponto que, mais do que fazer de oposição a esse “programa para a década”, a coligação percebeu que se tinha que definir e assumir a sua “primeira fase” de campanha: formalizar o acordo; dar corpo, por via do governo, ao Plano de Estabilidade 2015-2019 e ao Programa Nacional de Reformas; prestar contas e afugentar o país com o drama do regresso ao passado.
De Sócrates e Costa, claro. Pelo caminho, obrigar o PS a cometer erros (que é sempre mais fácil com Ferro Rodrigues no palco), a comprometer-se com políticas concretas e a dividir-se internamente na assunção desses compromissos. Passos fez o resto na entrevista (política e pessoal) que fechou o desafio.
Costa foi na conversa e caiu na tentação. Ao que parece, antecipou mais uma vez. Não esperou pelo programa da coligação para se colocar como o último a ser recordado pelos eleitores antes de saírem para o Verão. Colocou na agenda o seu programa eleitoral para a administração pública, para os tribunais, para as escolas, para os impostos, para o financiamento das obras públicas, para a segurança social e para a saúde. Uma espécie de “projecto” que será “mesmo” programa em Junho. Gota a gota, antes e depois desse anúncio, foi regando dia após dia os serviços noticiosos e os comentadores, entre cerimónias e almoços, com medidas e expectativas.
Pôs-se na dianteira mas jogou trunfos demasiado cedo. Ganhou credibilidade com a legitimação parlamentar que visa obter nas obras públicas, com o avanço (definitivo?) dos círculos uninominais e com um programa sério de descentralização mas deu-se ao desgaste e às dúvidas do eleitor.
Está em plena “terceira fase”, justamente aquela que a coligação PSD/CDS espicaçou na equipa de Costa enquanto procura aquelas “bandeiras” que possam dar um safanão final na campanha. Acima de tudo, a coligação procura ser a primeira a ser recordada no início de Setembro, com o fito de colocar tudo em cima da opção última: a “personalidade” dos líderes em confronto. Nesse momento, se Costa perder terreno, será importante que se lembre do rumo apressado que escolheu na Primavera de todas as “promessas”.
Professor de Direito da Universidade de Coimbra. Jurisconsulto.
Escreve à quinta-feira