Imparável, intragável, implacável


Apesar de ser democrata, e de combater os republicanos sem contemplações, não acredita no ser humano, acha que todas as pessoas têm um preço. No seu computador existe um ficheiro com informações sobre os podres de centenas de pessoas.


É um lugar-comum citar a série “House of Cards” como a preferida entre políticos e jornalistas. Os diálogos são extraordinários e a realização é marca de cineastas. A cidade é Washington, e as personagens simbólicas de um tempo em que o que é realmente importante é ter o poder – conquistá-lo e depois mantê-lo. Só isso conta; o resto são pormenores, tudo o resto, a começar pelos sentimentalismos ou afectos. 

Frank Underwood, casado com Claire, é o protagonista. Chegará longe, o mais longe que a sua ambição poderia alcançar: senador, líder da maioria no Senado, vice--presidente, presidente. Imparável, intragável, implacável. Numa trilogia de sombras de que não se desvia, ele está para lá das personagens reais a quem acusamos de ser imorais. Frank Underwood é amoral. Tudo o que precisa para conquistar um objectivo fá-lo sem hesitações ou estados de alma. 

Apesar de ser democrata, e de combater os republicanos sem contemplações, não acredita no ser humano, acha que todas as pessoas têm um preço. No seu computador existe um ficheiro com informações sobre os podres de centenas de pessoas. As fragilidades, os passados de drogas, álcool, corrupções, violência doméstica, pedofilias, o que for. Utiliza as informações em benefício próprio. Não pensa duas vezes antes de destruir alguém.

Usa os jornalistas em seu benefício. Não tem respeito por eles, define-os como lobos, vê-os à sua imagem. Apertado por uma jornalista a quem promove e torna uma estrela, empurra-a numa estação de metro. Assassina-a sem deixar vestígios, limpa-os com a ajuda de um chefe de gabinete a quem salvou de alcoolismo em último grau. Estendeu-lhe a mão e em troca pediu-lhe a alma. Em nenhum momento teve sentimentos de culpa pela morte da caçadora de notícias. Ou pela de um senador que tinha de desaparecer para que pudesse cumprir o seu desígnio. 

Ele compra pessoas, chantageia, organiza bacanais com o acordo da própria mulher. É esquivo e tem uma relação perfeita com Claire. Não se enganam, não se mentem, sabem tudo um do outro. Protegem-se um do outro. São o pior possível, mas não fazem jogos um com o outro, jogam limpo.

De vez em quando, uma ou duas vezes por episódio, olha directamente para a câmara e explica-nos o que está em jogo. Frank é o mais próximo que conseguimos encontrar do diabo. E é a mais popular personagem televisiva nos Estados Unidos e em vários países europeus. Como muitos milhões, também gosto de Frank Underwood. Vejo-o sempre que posso. Rio-me. Anoto máximas. Dou-lhe atenção. Afinal, é um personagem de ficção. Se fosse real, apesar de tão inteligente, os milhões que o seguem fariam tudo para que não triunfasse. Convenço-me de que é verdade. Mas se não for? Se não for, estamos por nossa conta e não há salvação possível. 


Imparável, intragável, implacável


Apesar de ser democrata, e de combater os republicanos sem contemplações, não acredita no ser humano, acha que todas as pessoas têm um preço. No seu computador existe um ficheiro com informações sobre os podres de centenas de pessoas.


É um lugar-comum citar a série “House of Cards” como a preferida entre políticos e jornalistas. Os diálogos são extraordinários e a realização é marca de cineastas. A cidade é Washington, e as personagens simbólicas de um tempo em que o que é realmente importante é ter o poder – conquistá-lo e depois mantê-lo. Só isso conta; o resto são pormenores, tudo o resto, a começar pelos sentimentalismos ou afectos. 

Frank Underwood, casado com Claire, é o protagonista. Chegará longe, o mais longe que a sua ambição poderia alcançar: senador, líder da maioria no Senado, vice--presidente, presidente. Imparável, intragável, implacável. Numa trilogia de sombras de que não se desvia, ele está para lá das personagens reais a quem acusamos de ser imorais. Frank Underwood é amoral. Tudo o que precisa para conquistar um objectivo fá-lo sem hesitações ou estados de alma. 

Apesar de ser democrata, e de combater os republicanos sem contemplações, não acredita no ser humano, acha que todas as pessoas têm um preço. No seu computador existe um ficheiro com informações sobre os podres de centenas de pessoas. As fragilidades, os passados de drogas, álcool, corrupções, violência doméstica, pedofilias, o que for. Utiliza as informações em benefício próprio. Não pensa duas vezes antes de destruir alguém.

Usa os jornalistas em seu benefício. Não tem respeito por eles, define-os como lobos, vê-os à sua imagem. Apertado por uma jornalista a quem promove e torna uma estrela, empurra-a numa estação de metro. Assassina-a sem deixar vestígios, limpa-os com a ajuda de um chefe de gabinete a quem salvou de alcoolismo em último grau. Estendeu-lhe a mão e em troca pediu-lhe a alma. Em nenhum momento teve sentimentos de culpa pela morte da caçadora de notícias. Ou pela de um senador que tinha de desaparecer para que pudesse cumprir o seu desígnio. 

Ele compra pessoas, chantageia, organiza bacanais com o acordo da própria mulher. É esquivo e tem uma relação perfeita com Claire. Não se enganam, não se mentem, sabem tudo um do outro. Protegem-se um do outro. São o pior possível, mas não fazem jogos um com o outro, jogam limpo.

De vez em quando, uma ou duas vezes por episódio, olha directamente para a câmara e explica-nos o que está em jogo. Frank é o mais próximo que conseguimos encontrar do diabo. E é a mais popular personagem televisiva nos Estados Unidos e em vários países europeus. Como muitos milhões, também gosto de Frank Underwood. Vejo-o sempre que posso. Rio-me. Anoto máximas. Dou-lhe atenção. Afinal, é um personagem de ficção. Se fosse real, apesar de tão inteligente, os milhões que o seguem fariam tudo para que não triunfasse. Convenço-me de que é verdade. Mas se não for? Se não for, estamos por nossa conta e não há salvação possível.