Começou a programar porque não tinha jogos de computador. No fundo, porque não tinha mais que fazer. Os pais decidiram oferecer-lhe um computador mas esqueceram-se de que um computador, em 1984, não dava para grande coisa nas mãos de uma criança de oito anos. Na ausência de internet e de centros comerciais que pudessem suprir a falha, José fez a única coisa possível: leu o manual de programação que vinha com o computador.
Daí a criar a Farfetch, um negócio avaliado actualmente em mil milhões de dólares, passaram praticamente 30 anos. Pelo meio houve um curso de Economia na Universidade do Porto e a criação de uma linha de sapatos, a Swear, que foi lançada em Londres em 1996. Sabia que a licenciatura era necessária porque sempre quis ter um negócio e queria ter “essa base a nível financeiro”. Ainda estudante da universidade criou a sua primeira empresa tecnológica.
José sempre quis viajar, conhecer o mundo. Também gostava de moda. De repente podia ter o melhor dos dois mundos de uma forma rentável. Depois de ter aberto a primeira loja da Swear em Londres, há praticamente 20 anos, a vida passou a ser dividida entre a capital britânica e Portugal. Ainda hoje é assim: de duas em duas semanas vem ao Porto, mas não passa “mais de 10%” do ano em terras lusitanas. Por isso mesmo está ansioso por que os filhos – são quatro, com idades entre os 11 e os 17 anos – “ganhem o bichinho de Londres e vão para lá estudar”, quando chegar a hora da faculdade. Por enquanto os quatro ficam com a mãe, em Portugal, e José, que casou segunda vez, fica por terras de sua majestade, onde também o visitam com frequência.
Do segundo casamento não há filhos. A mulher, que trabalha na mesma área, é também “empreendedora e tem uma empresa ligada a novas tecnologias”, o que ajuda a que a relação funcione. É que nem todos conseguem entender
os horários loucos, as viagens constantes e a necessidade de estar sempre ligado a vários países.
A Farfetch existe actualmente em 30 e conta com escritórios em sete deles: Brasil, Estados Unidos da América, Portugal, Inglaterra, Rússia, Japão e China. A médio prazo deverá continuar assim, mas isso não impedirá o crescimento do negócio. “Temos como missão mudar a forma como as pessoas compram moda”, diz o empresário.
“Queremos que a moda seja interessante, tenha vivacidade.” Por isso mesmo, a Farfetch agrega algumas das melhores boutiques um pouco por todo o mundo, de forma que qualquer pessoa possa comprar nas melhores lojas sem uma viagem incluída no valor final. “É importante o papel das empresas independentes, das boutiques, das grandes marcas.” Se elas não forem tidas em conta, explica José Neves, “a moda perde. Toda a gente perde”.
Quando a Farfetch celebrou três anos, a facturação chegava já aos 15 milhões de dólares anuais. Isto sem precisar de qualquer investimento externo. Mas o desejo de crescer implica capital, porque dinheiro gera dinheiro. Como é que se consegue um sucesso consistente em pleno tempo de crise? “Com muita disciplina”, garante José. No entanto,
o empresário já conhecia bem o mundo em que estava a apostar. Apesar de o início não ter sido fácil – “as primeiras 25 boutiques foram as mais difíceis” –, os contactos e o know-how que tinha do meio foram fundamentais para conseguir afirmar-se no mercado internacional.
E sabe que tem ainda muito espaço para crescer. Actualmente o mercado da moda online representa apenas 6% do total das vendas online em termos globais. Em países como a China, a Rússia e o Japão este número é ainda mais baixo: apenas 2%. E terem começado a aparecer negócios parecidos com o dele não o assusta. Sabe que tem as ferramentas, as pessoas e o conhecimento para conseguir continuar a navegar com alguma tranquilidade. Este vegetariano que todos os dias acorda às 6h da manhã acredita também que é preciso ir mantendo os pés bem assentes na terra. Por isso, quando a empresa saltou para os escaparates nacionais – na verdade, internacionalmente já era bastante mais conhecida que em Portugal – por ter atingido a valorização de mil milhões de dólares, “nada mudou”. Encheu-se de orgulho, continuou a deitar-se cedo e a acordar cedo, a não dispensar o desporto e a viajar entre os sete escritórios espalhados pelo mundo.
Até porque o compromisso com o negócio aumenta na mesma proporção que a exposição mediática, acredita. A médio prazo? Um dos objectivos é a entrada em bolsa. “Não será nos próximos três anos”, mas a partir daí é o percurso natural. Afinal os investidores neste tipo de negócios acabam por querer sair ao final de um tempo. Dispersar o capital em bolsa deverá ser o passo que se segue. Até lá, é garantir que a Farfecth faz o mundo ver a moda com outros olhos. De preferência, com os olhos de quem a quer comprar. Muito.