É a actualização, a vertigem dos novos tempos, o modo de entrar em casa de cada um repetidamente.
À falta de outra invenção possível, abraça-se a técnica das telenovelas.
Todos os dias, as televisões apresentam cenas de um mesmo texto, imagens do mesmo actor, música dos mesmos instrumentistas, paisagens da terra do leite e do mel.
Sempre com aproximações sucessivas à i-realidade. Sempre tentando. Sempre anunciando. Sempre agradando.
De outra forma, menos artística, poderíamos concluir que o PS tomou o caminho da tentativa.
A tentativa de procurar sábios que descobrissem o velo de ouro.
A tentativa de os juntar e, da amálgama dos seus pensamentos, encontrar propostas.
A tentativa de apresentar as propostas como o socialismo do dr. Soares, em liberdade. Isto é, de não as nomear como definitivas, como certezas adquiridas.
A tentativa de criar uma discussão pública sobre elas.
A tentativa de fazer pronunciar o partido sobre o conjunto.
Admite-se a tentativa de, daqui, fazer um programa eleitoral.
Com novidade, com corte com o passado, com vontade de voar sobre as nuvens.
Com quem?
Com recurso a gente do núcleo político do anterior primeiro-ministro, com o dr. João Tiago Silveira, com o dr. Vieira da Silva, com o inquieto dr. João Galamba, com a supervisão do dr. Costa.
A modernidade ficou à porta.
Ou seja, um embrulho diferente para o mesmo conteúdo programático. Um ar que lhe deu.
É certo que, neste caminho, também há avanços e recuos. Nem todas as virtualidades socialistas são susceptíveis de serem ultrapassadas.
Do tropeção no salário mínimo e na reposição dos salários da função pública, já falámos.
Agora é a vez da TSU das empresas e da sobretaxa do IRS.
Pensa-se melhor, talvez se tenham feito algumas contas, avança-se um passo para recuar dois.
Adensa-se o drama na rua da incerteza.
Alta noite, a horas mortas, o crime perfeito acontecerá: o programa estará pronto para ver a luz do dia.
O povo aguarda.
O militante socialista aplaude, nunca vira algo assim.
A última surpresa que o dr. Costa sugere é, todavia, merecedora de uma nota especial pelo que significa e pelo que contradiz.
Sabemos todos como as grandes obras públicas foram tema de divisão entre bons e maus.
Os bons promoveriam a sua multiplicação, correspondendo ao keynesianismo acabado da primazia do investimento público.
Os bons afirmavam que, sem investimento público, não haveria economia.
Agora, os bons hesitam, reflectem, abrem as portas à via do consenso.
Afinal, propõe-se, os grandes investimentos públicos deverão ser aprovados por maioria de dois terços.
É uma forma de meter a mão na consciência, de tentar fazer esquecer a tragédia das parcerias público-privadas, dos negócios possíveis e passíveis de investigação, da limpeza da nódoa.
Não admira que, dentro em breve, o método do malmequer venha a ser utilizado.
O dr. Costa toma o programa numa das suas mãos e o país na outra, e pergunta, ansioso: muito, pouco, nada?
Este programa do PS já tanta vez mudou de cor que será apelidado de camaleónico.
Já não é um programa de esquerda ou de direita, de centro ou de extremos, é apenas o que der mais votos, que der mais lugares no parlamento para o dr. Costa sonhar com uma vitória.
A vida está difícil para os lados do Rato.
O dr. Costa soluça, o prof. Centeno atrapalha-se, o povo baralha-se.
A prioridade deixou de ser a união das esquerdas, mas sim a união das ideias.
O PS deixará assim a sua picadora Moulinex sossegada, a picadora que triturava todas as propostas que viessem da maioria, e passará a utilizar a sua nova Bimby política, aquela que misturará todas as ideias e os contributos da militância.
Faltará apenas empratar esta nova receita, dar cor à mesma, colocar as promessas em outdoor e tentar convencer de novo o povo com promessas antigas.
Deputado do PSD
Escreve à sexta-feira