Nem sempre a uma morada se equivale uma chegada limpa. O n.o 12 da Rua Damasceno Monteiro, na Graça, parece-se pouco com um quartel-general de uma nova associação que se apelida Centro de Investigação Artística. No entanto, gostamos de nos convencer de que o GPS não nos engana, e que apesar de estarmos na Graça, junto ao Miradouro da Nossa Senhora do Monte, é possível que por trás de uma fachada comum de um prédio antigo esteja uma galeria de arte.
Aproximamo-nos e a porta de garagem clássica, misturada com a sonoridade sempre adorável de um berbequim, indicia que podemos afinal estar perante uma exposição em processo de montagem. Bingo. O Hangar é uma associação que nasce do colectivo de artistas Xerem, fundado em 2009, e que agora decide mudar a paisagem nómada que se habitou a vislumbrar, para criar raízes num dos bairros mais distintos de Lisboa. Eis um bom começo. A exposição “Princípio Tautológico” coincide com a inauguração do espaço que hoje acontece, às 20h.
Até agora o Xerem traçava o seu destino com residências artísticas internacionais, curadorias em galerias estrangeiras, palcos de circunstância onde promoviam algo que continua a ser o seu veículo: o intercâmbio cultural. “Não tínhamos espaço, tínhamos menos exigência, éramos algo itinerantes. No entanto, já aí existia a missão comum, pela qual ainda hoje nos regemos, que é o intercâmbio cultural. O programa estava a tomar proporções que requeriam um espaço, foi aí que se criou esta equipa mais fixa. Este espaço pretende ser um ponto de encontro, uma charneca entre África, Ásia e América Latina. Lisboa é claramente um lugar de trânsito”, afirma Mónica de Miranda, artista e directora artística.
Essa transversalidade é algo que descobrimos ao longo dos quatro pisos do Hangar, onde espreitámos os ateliês dos artistas, os quartos onde pernoitam quanto estão em residência artística. Um saber e gostar de estar que se adequa ao conceito deste lugar. “Há uma coisa essencial para nós, algo que fomos aprendendo ao longo destas inúmeras experiências que fomos tendo, destas residências artísticas. Não é tanto o produto final que nos interessa, mas sim o processo, valorizá-lo, a componente de investigação que passa pela reflexão em torno do que se está a criar”, conta Mónica.
Azar o nosso que não vimos ninguém em acção, mau timing por certo, que o que por aqui não falta é gente com vontades experimentalistas, de pensar o que faz enquanto permite que alguém lhes invada o espaço e tente penetrar no seu intelecto em processo criativo. É isso que acontecerá hoje na inauguração do Hangar. “Queremos ser verdadeiramente experimentalistas. Há vários exemplos de associações que começam como o Hangar e depois têm uma programação ao estilo de um museu, muito institucionalizada. Aqui também teremos isso, mas é só uma parte do que falamos. Queremos explorar a exposição como um objecto não fechado”, garante Bruno Leitão, curador de “Princípio Tautológico”. Um princípio que é só um começo para o Hangar.