Crime de Salvaterra. “Para mim, o Daniel não  é um monstro”

Crime de Salvaterra. “Para mim, o Daniel não é um monstro”


A advogada, Teresa Manique, abre o jogo. A defensora, oficiosa, promete continuar, “desde que Daniel o queira”.


Foi uma advogada oficiosa que tomou a seu cargo a defesa de Daniel Neves, 17 anos, o principal suspeito da morte de Filipe Costa, com 14 anos. Teresa Manique dá a entender que o caso ainda não está encerrado, mas recusa falar nas motivações do seu cliente. Não esconde a empatia e responsabiliza os pais e o Estado. O crime em Salvaterra de Magos continua em aberto.

Como é que este caso veio parar às suas mãos?
Oficiosamente. Estava a acabar um julgamento e fui contactada pela Polícia Judiciária (PJ) para ir assistir um arguido menor. Na PJ de Lisboa. 

Qual foi o seu feeling quando percebeu que estava perante um caso complicado?
Como advogada, fui formatada para não pensar bem nem mal. Julgar cabe aos juízes; ao advogado, consoante o cliente, fazer o que melhor pode e sabe. Até hoje só uma vez pedi escusa num caso. Foi um processo de pedofilia de um avô para com a neta. Está previsto na Constituição, independentemente do crime, que todos os arguidos têm o direito de usar todos os argumentos a seu favor. Como advogada, prezo-me de fazer o melhor pelo meu cliente. 

Como vai ser no caso de Daniel Neves?
No caso do Daniel farei tudo aquilo que puder dentro da lei, enquanto ele quiser que o acompanhe. Aquilo que o Daniel fez não tem desculpa. O valor supremo é a vida, mas temos de nos preocupar com as motivações. 

Mas então tem a certeza de que o Daniel é o culpado desta morte?
Não tenho a certeza de nada e, se tivesse, não o diria. O Daniel é um jovem com quem criei empatia. Gosto do Daniel e acho que ele precisa de ajuda. Também sou mãe, tenho filhas, e o que aconteceu pode acontecer com qualquer pai ou mãe. 

Quando chegou à PJ encontrou um miúdo transtornado, a pedir ajuda, assustado?
Quando o vi era um miúdo desconfiado. 

Apenas?

Apenas.

Falou com ele?
Falei um pouco, mas só criámos empatia horas depois. 

O que se diz é que confessou o crime à PJ…
Não lhe posso confirmar. Espantosamente, a comunicação social sabe as coisas mais depressa que nós. Eu saí da PJ quando faltavam 15 minutos para a meia-noite e quando cheguei a casa, em Lisboa, já estava a passar nas notícias. 

Pode confirmar se prestou alguma declaração em sede de interrogatório judicial?
Também não posso confirmar. 

Nos dias que se seguiram, num texto que foi público, a mãe de Daniel, Susana Neves, disse que ele já não era seu filho. Como reagiu a estas declarações?
Como mãe, estarei sempre ao lado das minhas filhas, façam elas o que fizerem. Espero nunca sofrer uma dor idêntica, mas gostava que todos os pais pensassem que Daniéis há muitos, independentemente do extracto social. Esta semana tem sido forte em notícias de bullying. A culpa começa em nós, como pais que nos demitimos do nosso primeiro dever, que é dar amor e transmitir valores. Se é verdade que a mãe disse isso, deixo à consideração das pessoas. Numa reportagem da TVI, a mãe do Daniel não mostrou a cara. Ora, como pode uma mãe acompanhar o seu filho se esconde a face? Mas isso são formas diferentes de ver a vida.

Segundo as informações de que disponho, não teria pai desde novo.

Não conheço ninguém da família do Daniel. Não conheço Salvaterra de Magos. Mas acho impressionante os ataques que me têm feito quando não me conhecem.

Alguma vez falou com a mãe do Daniel? Ou com algum familiar?
Falei com a mãe duas ou três vezes. As primeiras vezes, mostrou preocupação. A partir do momento em fez aquela publicação no Facebook, entendi, em favor do Daniel, que não ia mais conversar com ela. 

Sabe se o Daniel, no interior do estabelecimento prisional, teve conhecimento do que a mãe tinha dito?
Teve. Ainda não tem televisão, mas um dos outros detidos foi-lhe contar a entrevista que eu tinha dado em que uma jornalista me confrontou com aquela publicação no Facebook que desconhecia. Penso que foi uma grande mágoa para o Daniel. 

Mas como sabe, mesmo não tendo televisão, Daniel Neves saberá sempre o que se diz sobre o caso.
Espero bem que esta entrevista não chegue ao conhecimento dele. Não tem a ver com o processo, mas tem a ver com um menino que precisa de ajuda. Tenho tido a preocupação de fazer chegar às pessoas que as emoções são inimigas da razão. É o momento de toda a gente acalmar e pensar que quem é pai não pode levantar o dedo e apontar, tendo filhos em casa. Volto a dizer que a culpa começa nos pais e acaba no Estado. O Estado não se pode demitir da função que tem. 

Foi o que aconteceu neste caso?
Vou falar dos casos em geral. Todos pagamos impostos e temos direito a exigir os nossos direitos. A ser verdade o percurso do Daniel, e se é verdade que ele esteve em instituições, assim como outros meninos, se calhar, o Estado falhou porque o Daniel saiu igual. Mas quero deixar bem vincado que não tenho má opinião dele, bem pelo contrário. Tem 17 anos e devemos olhar para ele como um jovem a quem teremos de dar uma oportunidade. Uma coisa é ele ser julgado por aquilo que fez. Tenho transmitido que não há desculpa, é uma vida humana. Outra coisa é a obrigação que o Estado tem de o reeducar. Tenho vários clientes presos e o tempo que passam na cela a congeminar parvoíces, era bem melhor o Estado pô-los a trabalhar. Ficava mais barato, reeducava. Quem não é criminoso sai de lá criminoso. É uma verdadeira escola do crime. O Estado devia repensar muito bem o sistema prisional.

Sabe se o Daniel Costa recebeu alguma visita ou telefonema no Estabelecimento Prisional de Leiria?
Só posso falar por mim. Telefonei domingo para saber se tinha chegado bem. Quero louvar o estabelecimento prisional, que teve o cuidado de o pôr numa ala onde ele não sofresse represálias dos outros detidos. Está numa ala com jovens com percursos idênticos.

Está sozinho?
Não está sozinho. Ainda não estive com ele, vou estar nos próximos dias, mas tenho tido a preocupação de ligar para o estabelecimento prisional para saber como está, e antes, como disse, já falei pessoalmente. Estranhamente, sou a única pessoa que liga. Até hoje à tarde (quarta-feira), não tinha tido nem telefonemas nem visitas. 

Do que conversou com ele estes dias, alguma nota importante que queira destacar?
Soube hoje de uma história que me comoveu. Há muitas coisas que tem de ser o próprio detido a comprar no estabelecimento prisional. Aquilo que o Daniel pediu na cantina foi o estritamente necessário. Pasta de dentes, escova. A própria senhora que me contou achou curioso por ter sido tão modesto no que pediu. Ainda quando chegou a Leiria levava um envelope branco com os atacadores e um isqueiro. Tinha-me mostrado o isqueiro, que uma inspectora da PJ lhe tinha oferecido. É difícil descrever o orgulho ao mostrá-lo. A conclusão a que eu cheguei é que não está habituado a que lhe dêem nada. Por dar. Se já gostava dele, com esta atitude passei a gostar mais. 

Ele tem a noção do que fez? Distingue o bem e o mal? 
Não. Sabe que fez mal, mas a noção de bem e mal que nós temos, ele não tem. Por isso é que eu digo que o Estado falhou. 

Daniel Neves imagina que poderá vir a ficar muitos anos preso?
Essa noção já a tem porque lha transmito todos os dias. 

Não tinha inicialmente?
Creio que não. 

Já há alguma explicação para este crime? O que o terá levado a matar?
Tenho a minha convicção, mas não vou revelar. Mas nada acontece por acaso.

Alguns jornais relacionavam o crime com o foro sexual. Também não pode confirmar?
Não, mas posso dizer que o processo continua em investigação e não está encerrado. Se calhar, há mais coisas para descobrir. Para meu espanto, continua exactamente na mesma brigada da PJ que iniciou o processo. 

Hoje houve uma notícia que dava conta de um relatório de autópsia. Tem conhecimento desse relatório?
Os jornalistas deviam passar a advogados porque têm as notícias mais depressa que nós. Uma pessoa telefonou-me a dizer, mas acho espantoso porque ninguém sabe. Pelos vistos, sabe a jornalista. 

Numa entrevista que deu estava um psicólogo para analisar o comportamento do adolescente. Passou-lhe alguma vez pela cabeça alegar insanidade?
Não posso falar sobre o processo, mas achei curioso esse psicólogo, que não conhecia, mas veio tentar fazer o mesmo que eu tenho feito. Demonstrar às pessoas que o Daniel não é um monstro. Para mim, o Daniel não é um monstro.