Todas as ideias vão dar ao Estoril


A recuperação económica da Europa não ilude aquele que é um dos desafios mais prementes do nosso século: a recessão democrática. 


Um dia alguém notou que a colaboração entre governos, empresas, organizações não governamentais e universidades é um dos factores críticos para o sucesso. Talvez isso explique por que razão as Conferências do Estoril são uma realização consistentemente bem-sucedida ao longo dos últimos oito anos.

É nas conferências que se encontram os agentes de mudança para quatro dias de debate, que, pela sua abrangência, profundidade e diversidade, não têm paralelo na vida pública portuguesa. A quarta edição das Conferências do Estoril, para a qual o leitor está convidado, corre até dia 22 de Maio mas a intensa agenda de trabalhos arrancou ontem com duas iniciativas de grande simbolismo.

A Cimeira da Juventude, que junta centenas de jovens dos quatro cantos do mundo na discussão dos grandes desafios que se apresentam a este grupo demográfico e que teve como convidado especial José Ramos Horta, prémio Nobel da Paz; e a inauguração da exposição “Murar o Medo”, que honra uma das mais extraordinárias intervenções alguma vez ouvidas no Estoril, pela voz de Mia Couto, nome maior da nossa língua. E não resisto a partilhar a ideia que Mia Couto deixou cravada na pedra: “Há no mundo quem tenha medo que o medo acabe.”

A intemporalidade da afirmação de Mia Couto é reveladora da verdadeira vocação das conferências. Mais que um espaço para a reflexão plural e civilizada que reúne decisores políticos, empresários e académicos de todos os quadrantes ideológicos, sociais e religiosos; mais que um fórum que afirma o papel mediador de Portugal na sociedade das nações, as conferências têm-se constituído como uma reserva de conhecimento que nos aconselha num mundo cada vez mais insano.

Tem sido sempre assim. Lembro outro Nobel da Paz, Mohamed El Baradei, que em 2011, no despertar da Primavera Árabe, deixou nas conferências um conselho presciente, tanto para o seu povo como para o nosso: “Ou vencemos juntos ou falhamos separadamente.”

De um lado e de outro, as escolhas divergiram e, tal como elas, os nossos destinos também. Portugal e a Europa são hoje um lugar melhor do que eram há quatro anos, dando razão aos que, no tempo certo, contrariaram o pessimismo politicamente correcto. Como foi o caso de Christopher Pissarides, o Nobel da Economia que em 2013 chamou a atenção para o hiato entre a aplicação de uma reforma e o reconhecimento do seu efeito, ao contrário da austeridade, que produz resultados imediatos.

E apontou ao caso português, sinalizando que devíamos esperar três ou quatro anos para sentir o impacto das reformas – como, de resto, está a acontecer. A recuperação económica da Europa, todavia, não ilude um dos desafios mais prementes do nosso século: a recessão democrática.

O tema foi abordado por vários prismas, também em 2013. Por um lado destacaram-se Frederik de Klerk, mais um Nobel da Paz, e Ana Palacio, antiga chefe da diplomacia espanhola, que atacaram a disfunção da arquitectura internacional. Por outro, a opinião sociologicamente fundada mas nem por isso mais optimista de Anthony Giddens, o pai da terceira via: “A democracia enfrenta problemas em todas as partes do mundo.”

Para terminar, deixo ao leitor uma provocação de Hans-Rosling, uma das personalidades mais influentes do mundo na opinião da “Time”, esperando que possa servir de gatilho à participação nas conferências. “A globalização ainda não começou”, disse o sueco há dois anos, para estupefacção da audiência.

Rosling sabia do que falava e, depois de ter estudado a evolução demográfica da humanidade, previu que em 2100 “80% da população mundial viverá na Ásia e em África”, o que fará do “oceano Índico o centro do mundo”. Em 2015, a capacidade de provocar e agitar ideias está a cargo de Fukuyama, Kasparov, Papandreou, Skidelsky, entre muitos outros. É deles a responsabilidade de continuar a acrescentar valor ao principal activo das Conferências do Estoril: o património das ideias.

Escreve à quarta-feira

Todas as ideias vão dar ao Estoril


A recuperação económica da Europa não ilude aquele que é um dos desafios mais prementes do nosso século: a recessão democrática. 


Um dia alguém notou que a colaboração entre governos, empresas, organizações não governamentais e universidades é um dos factores críticos para o sucesso. Talvez isso explique por que razão as Conferências do Estoril são uma realização consistentemente bem-sucedida ao longo dos últimos oito anos.

É nas conferências que se encontram os agentes de mudança para quatro dias de debate, que, pela sua abrangência, profundidade e diversidade, não têm paralelo na vida pública portuguesa. A quarta edição das Conferências do Estoril, para a qual o leitor está convidado, corre até dia 22 de Maio mas a intensa agenda de trabalhos arrancou ontem com duas iniciativas de grande simbolismo.

A Cimeira da Juventude, que junta centenas de jovens dos quatro cantos do mundo na discussão dos grandes desafios que se apresentam a este grupo demográfico e que teve como convidado especial José Ramos Horta, prémio Nobel da Paz; e a inauguração da exposição “Murar o Medo”, que honra uma das mais extraordinárias intervenções alguma vez ouvidas no Estoril, pela voz de Mia Couto, nome maior da nossa língua. E não resisto a partilhar a ideia que Mia Couto deixou cravada na pedra: “Há no mundo quem tenha medo que o medo acabe.”

A intemporalidade da afirmação de Mia Couto é reveladora da verdadeira vocação das conferências. Mais que um espaço para a reflexão plural e civilizada que reúne decisores políticos, empresários e académicos de todos os quadrantes ideológicos, sociais e religiosos; mais que um fórum que afirma o papel mediador de Portugal na sociedade das nações, as conferências têm-se constituído como uma reserva de conhecimento que nos aconselha num mundo cada vez mais insano.

Tem sido sempre assim. Lembro outro Nobel da Paz, Mohamed El Baradei, que em 2011, no despertar da Primavera Árabe, deixou nas conferências um conselho presciente, tanto para o seu povo como para o nosso: “Ou vencemos juntos ou falhamos separadamente.”

De um lado e de outro, as escolhas divergiram e, tal como elas, os nossos destinos também. Portugal e a Europa são hoje um lugar melhor do que eram há quatro anos, dando razão aos que, no tempo certo, contrariaram o pessimismo politicamente correcto. Como foi o caso de Christopher Pissarides, o Nobel da Economia que em 2013 chamou a atenção para o hiato entre a aplicação de uma reforma e o reconhecimento do seu efeito, ao contrário da austeridade, que produz resultados imediatos.

E apontou ao caso português, sinalizando que devíamos esperar três ou quatro anos para sentir o impacto das reformas – como, de resto, está a acontecer. A recuperação económica da Europa, todavia, não ilude um dos desafios mais prementes do nosso século: a recessão democrática.

O tema foi abordado por vários prismas, também em 2013. Por um lado destacaram-se Frederik de Klerk, mais um Nobel da Paz, e Ana Palacio, antiga chefe da diplomacia espanhola, que atacaram a disfunção da arquitectura internacional. Por outro, a opinião sociologicamente fundada mas nem por isso mais optimista de Anthony Giddens, o pai da terceira via: “A democracia enfrenta problemas em todas as partes do mundo.”

Para terminar, deixo ao leitor uma provocação de Hans-Rosling, uma das personalidades mais influentes do mundo na opinião da “Time”, esperando que possa servir de gatilho à participação nas conferências. “A globalização ainda não começou”, disse o sueco há dois anos, para estupefacção da audiência.

Rosling sabia do que falava e, depois de ter estudado a evolução demográfica da humanidade, previu que em 2100 “80% da população mundial viverá na Ásia e em África”, o que fará do “oceano Índico o centro do mundo”. Em 2015, a capacidade de provocar e agitar ideias está a cargo de Fukuyama, Kasparov, Papandreou, Skidelsky, entre muitos outros. É deles a responsabilidade de continuar a acrescentar valor ao principal activo das Conferências do Estoril: o património das ideias.

Escreve à quarta-feira