Bastou um vídeo com 30 segundos para o transformar no homem mais odiado do momento. Filipe Silva, o subcomissário da PSP que no domingo agrediu um adepto do Benfica à frente dos filhos menores, é o alvo a abater em vários grupos no Facebook que exigem a sua demissão da polícia. Um já conta com mais de 10 mil seguidores.
Na PSP é unânime que o oficial, natural de Guimarães e polícia há seis anos, terá actuado de forma desproporcionada. “Excedeu-se”, admitem ao i vários polícias. Ainda assim, os colegas com quem se cruzou desde 2004 – ano em que entrou para o Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna (ISCPSI), onde são formados os oficiais – garantem que o subcomissário nunca teve problemas disciplinares, de comportamento ou queixas por abuso de autoridade.
{relacionados}
Filipe Silva tem 30 anos e entrou para o curso de oficiais por acaso. Filho de um casal de feirantes humildes da zona de Guimarães, teve de procurar emprego cedo e aos 19 anos decidiu meter os papéis para agente. “Mas o concurso tinha acabado nesse dia e já não foi a tempo”, conta um polícia. Pouco tempo depois abria outro, mas para oficiais. Concorreu na mesma e entrou para o 21.o curso do ISCPSI. Segundo um professor, teve sempre “boas notas no comportamento e nos estágios”. De tal forma que, entre 37 oficiais formados em 2009, Filipe Silva classificou–se em 11.o lugar, com uma média de 13,8 valores – pouco menos que o primeiro classificado desse ano, que concluiu o curso com 14,86. Para a tese de final de licenciatura escolheu o tema “Mecanismos do Estado para controlo do uso e porte de arma”. Entretanto, o irmão mais novo seguiu-lhe as pisadas e está também a tirar o curso de oficial da PSP.
Assim que terminou a licenciatura, Filipe Silva foi colocado em Rio de Mouro, Sintra. Comandou a esquadra durante dois anos e, pouco depois de ter chegado, pediu transferência para o Norte. “Sempre quis ir para mais perto da família”, conta um antigo colega. Nessa altura arrendou um apartamento a meias com outro oficial da PSP e, fora do horário de trabalho, costumava jogar à bola com os agentes da divisão de Sintra. Curiosamente, não gosta de futebol e não é adepto de nenhum clube. Pelo meio interessou-se pelos meandros do sindicalismo e juntou-se a um dos sindicatos da PSP que representam a classe de oficiais.
Em 2012 conseguiu finalmente mudar–se para o Porto, para a divisão de Trânsito. Não era a área que queria, mas teve de se sujeitar – quando um polícia pede transferência pode escolher a zona do país, mas não as funções. Entretanto deu aulas na Escola Prática de Polícia, onde são formados os novos agentes. Voltou ao Porto e só depois conseguiu a transferência que queria, para Guimarães. Casou-se e, em Março de 2014, tornou-se comandante da esquadra de investigação criminal. Os subordinados descrevem-no como um oficial que vai ao terreno. “Ao contrário da maioria dos oficiais da PSP, faz questão de participar em todas as operações e de dar a cara”, conta um agente.
No domingo Filipe Silva estava a fazer um gratificado – serviço extra. Desde então não regressou ao trabalho e tem estado refugiado em casa do pai. Atendendo ao bom comportamento e à ausência de antecedentes, nenhum antigo colega consegue explicar o comportamento que se vê nas imagens captadas pela CMTV. Agora o subcomissário enfrenta três processos diferentes. Um inquérito disciplinar, conduzido pela PSP, e um processo de averiguações da Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI). Terá ainda de enfrentar os tribunais: o Ministério Público anunciou a abertura de um inquérito na sequência de uma queixa apresentada “por um cidadão” e que aponta para “suspeitas da prática do crime de abuso de poder durante a actuação policial”.
Os inquéritos que correm na IGAItêm de ficar concluídos num prazo máximo de 40 dias úteis, mas quando há processos-crime a correr na justiça as conclusões são suspensas e aguarda-se a decisão dos tribunais: os processos são independentes, mas a produção de prova deve ser coerente entre os dois. O comportamento anterior e as circunstâncias da actuação vão pesar na deliberação da IGAI e da PSP. A confirmar-se que violou as regras de actuação – o bastão que utilizou, extensível e de aço, é a segunda arma mais coerciva a seguir à arma de fogo e usada só em situações de extrema violência –, poderá ser suspenso dias ou meses, com perda de ordenado, ser condenado ao pagamento de uma multa com perda de vencimento e, no extremo, ser expulso da polícia – algo que muito dificilmente acontecerá, tendo em conta que tinha a ficha limpa.