Fary. Chuteiras que tiraram o sono a Simão e Mourinho finalmente penduradas

Fary. Chuteiras que tiraram o sono a Simão e Mourinho finalmente penduradas


Aterrou no União de Montemor aos 21 anos, mas estava destinado aos grandes palcos.


Em noite de despedida, Petit concedeu a Fary o primeiro jogo a titular da temporada. Foram 44 minutos que serviram para o avançado de 40 anos, e o mais velho jogador da primeira liga, se despedir dos relvados. O golo não apareceu, mas há muitos outros para recordar nas 19 temporadas que o senegalês actuou em Portugal.
“Sou senegalês e português.” Quem o diz é Fary Faye e ninguém o contesta. Não tem dupla cidadania e nunca se deu ao trabalho de meter os papéis para a naturalização, mas os quase 20 anos a viver em Portugal dão ao mais velho jogador da primeira liga um estatuto especial, pelo menos até à passada segunda–feira, quando anunciou o adeus aos relvados.

Fary deu os primeiros toques na bola por influência do pai, o mesmo que nunca quis que o filho seguisse a carreira de futebolista. Chegou à primeira divisão do Senegal com 17 anos, mas tudo em segredo. “Quando vinha da escola escondia-me e ia jogar.” Mais tarde o seu sucesso chegou aos jornais e o pai acabou por se aperceber. Orgulho? Nem por isso. Decidiu expulsar Fary de casa, o que só não se consumou devido à intervenção da mãe.

A vida do senegalês mudaria em 1996, quando um treinador do União Montemor foi ao Senegal em busca de talentos. Fary não queria nada com Portugal, um país sobre o qual só tinha ouvido falar de Lisboa, Eusébio, Benfica, FC Porto, devido ao calcanhar de Madjer, e Boavista, mas apenas por causa das camisolas axadrezadas. Acabaria por se deixar convencer, rumando a Portugal com a promessa de ir parar a um clube da primeira divisão. O União Montemor, da segunda B, acabou por ser o destino do senegalês.

Falar apenas francês não ajudou e Fary, que pensava estar a jogar na divisão de honra, demorou a perceber o verdadeiro cenário desportivo do clube alentejano. Quando soube não se importou. Afinal era muito bem tratado. Não chegou sozinho ao Alentejo. Khadim, que jogava com ele em Dakar, acompanhou-o na aventura. Ambos deixaram o Alentejo ao fim de dois anos, para se reencontrarem, mais tarde, no Boavista. Em Portugal foram colegas durante seis anos, uma parceria em que apenas se intromete Ricardo Sousa, companheiro de Fary outros tantos anos, repartidos entre Beira-Mar e Boavista.

Em 1998/99, o Beira-Mar estava de regresso à primeira divisão e precisava de recrutar um avançado. Fary foi o escolhido. Era outra realidade, aquela com que sonhou quando deixou o Senegal. Rapidamente conquistou os colegas e os adeptos. Bola na frente que ele resolvia, que o diga o FC Porto, com que se estreou a marcar na primeira divisão, com um golo que garantiu a vitória por 2-1, à segunda jornada. O clube acabou por não se aguentar na primeira divisão, mas foi ao Jamor, de onde saiu com a conquista da Taça de Portugal, depois de vencer por 1-0 o Campo-Maiorense, com um golo do seu fiel colega Ricardo Sousa.

Na época seguinte, na segunda liga, marcaria o seu único golo europeu, na primeira eliminatória da Taça UEFA, contra o Vitesse. A consagração de Fary como goleador na primeira liga só chegou em 2001/02. Foram 18 golos no campeonato, que lhe deram o último lugar do pódio na corrida à Bota de Prata, atrás de Jardel, o vencedor, e Derlei. No ano seguinte repetiu a dose e conquistou o ambicionado troféu, vencendo Simão Sabrosa, também com 18 golos mas com mais minutos disputados. Aqui havia mérito. Fary jogava pelo Beira-Mar e não beneficiou de nenhum penálti, ao contrário de Simão, com nove golos da marca dos 11 metros.

Seguiu-se uma mudança para o Boavista, o clube de que já gostava antes de vir para Portugal, por causa do equipamento, mas por que se apaixonou, pela raça e por ser capaz de fazer frente aos grandes. Depois havia os adeptos, que ainda antes de assinar pelo clube já gritavam o seu nome. Foram cinco anos mais apagados, naquilo que parecia ser a recta final de uma grande carreira. Até ao fim ainda teve tempo de regressar ao Beira-Mar, de passar pelo Desp. Aves e voltar ao Boavista, onde terminou a carreira, na primeira liga, aos 40 anos, como capitão.

Para o registo de Fary, 11 golos aos grandes: cinco ao Sporting, três ao Benfica e outros três ao FC Porto, com dois deles a ficarem para a história. A 23 de Fevereiro de 2002, Fary bisou em pleno Estádio das Antas, garantindo a vitória por 3-2 para o Beira-Mar. Este resultado faria parte do trajecto vencedor do treinador português durante muito tempo, por ter sido a última derrota de Mourinho para o campeonato, em casa, durante mais de nove anos. Treinadores, goleadores, e especialmente guarda-redes, já podem descansar.