Luz. “Não serei mais Charlie Hebdo mas serei sempre Charlie”

Luz. “Não serei mais Charlie Hebdo mas serei sempre Charlie”


“Je serais toujours Charlie” é a nova palavra de ordem para o autor da primeira capa pós-massacre, que anunciou agora que vai deixar o semanário satírico.


Dificilmente Luz encontraria uma frase mais perfeita para anunciar a despedida. Menos de cinco meses depois de perder Charb, director do semanário e seu melhor amigo, Cabu, seu mentor, Tignou e outros nove colegas no ataque ao “Charlie Hebdo”, e em vésperas de lançar “Catharsis”, um diário em BD que foi mesmo isso, uma catarse no período pós-massacre, Rénald Luzier confirmou, numa entrevista ao “Libération”, que vai deixar jornal, numa frase que não deixa nada por dizer: “Je ne serais pas ‘Charlie Hebdo’ mais je serais toujours Charlie” (não serei mais “Charlie Hebdo” mas serei sempre Charlie).

Luz, que sobreviveu ao atentado pelo acaso de se ter atrasado nessa manhã, a manhã do seu anivesário, foi o autor da capa da primeira edição depois do atentado, em que, sob o título “Tout est pardonné”, Maomé surgia de lágrima no canto do olho e a segurar ele próprio um cartaz que dizia “Je suis Charlie”, a frase que se popularizou como grito de resposta ao terrorismo nos dias e semanas que se seguiram ao atentado.

Fechar cada edição tornou-se uma tortura porque nenhum dos meus colegas está aqui comigo. Passo noites seguidas sem dormir, a pensar nos desaparecidos, a perguntar-me sobre o que Charb, Cabu Honoré, Tignous teriam feito… é demasiado esgotante para conseguir continuar

Já antes Luz tinha dado sinais de que o que aconteceu naquela fatídica manhã de 7 de Janeiro tinha deixado marcas profundas, já antes tinha dado a entender que o seu trabalho nunca mais seria o mesmo. Há pouco mais de duas semanas admitiu numa entrevista à “Les Inrockuptibles” que não voltaria a desenhar Maomé: “Já não me interessa. Cansei-me. Como aconteceu com Sarkozy, não vou passar a vida a desenhá-los.”

Agora, na véspera de lançar “Catharsis”  – “não é um testemunho, é ainda menos uma obra de banda desenhada”, escreveu o próprio – Luz explica ao “Libération”, o jornal que acolheu o que sobrou da redacção do “Charlie Hebdo” nas semanas que se seguiram ao atentado, que toma esta decisão “por razões muito pessoais”, para poder reconstruir-se e “recuperar o controlo” sobre si mesmo, numa altura em que precisa mais de desenhar do que nunca.

"Fechar cada edição tornou-se uma tortura porque nenhum dos meus colegas está aqui comigo”, explica. “Passo noites seguidas sem dormir, a pensar nos desaparecidos, a perguntar-me sobre o que Charb, Cabu Honoré, Tignous teriam feito… é demasiado esgotante para conseguir continuar.”

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Luz nega que a sua saída, prevista para Setembro, esteja relacionada com as divisões de que a imprensa francesa tem dado conta na redacção do semanário satírico, relacionada com a alegada falta de transparência dos novos proprietários: agora a família de Charb, o director assassinado no massacre de 7 de Janeiro, o actual director editorial, Riss, e o director financeiro, Eric Portheault. E garante que não está em causa a viabilidade do projecto. À beira da falência quando aconteceu o atentado, o "Charlie Hebdo" já ultrapassou os 12 milhões de euros em receitas de vendas desde então.

“Não tem a ver com nada disso”, diz Luz, completando: “Não serei mais ‘Charlie Hebdo’ mas serei sempre Charlie.”