Glosas e comentários


Mas o grave, para além das ameaças, livres e tontas, a pessoas em concreto, é que este tipo de espectáculo tem um outro resultado imediato: cria medo


Magistrados, presumivelmente judiciais e do Ministério Público, publicaram no Facebook textos, reproduzidos entretanto na imprensa, sobre a prisão de José Sócrates e temas afins, em termos no mínimo discutíveis. A informação disso mesmo foi dada pelo advogado de José Sócrates aos jornalistas, e bem, uma vez que o fez na amplitude de poderes que lhe são concedidos para a defesa do seu constituinte.

E de que é que se trata em concreto? Lendo alguns dos comentários em causa entretanto reproduzidos pela imprensa, confesso que há um em especial que me incomoda. Aquele em que um dos alegados escribas magistrados se insurge contra um seu colega, a quem apelida de “bufo”, a propósito da notícia pública dos próprios comentários. “Ouviste, bufo?

Isto é para ti! (…) Não vamos demorar a apanhar-te!”, avisa o douto magistrado dirigindo-se ao seu suposto colega delator.
José Sócrates é obviamente visado nestes textos, mas também o são por exemplo jornalistas – e pelo seu nome, em termos, no mínimo, desgraçados. “Nunca posso ter arma porque em dias como estes iam Claras Ferreiras Alves, Sousas Tavares, e no Rato só ficava a porteira”, escreve-se também por ali com assinalável precisão e honestidade. Será nisto que se pensa quando se diz que há homicidas que anunciam o seu crime com antecedência e apenas não se sabe ler os sinais?

Soube-se agora que nada disto comoveu a hierarquia, no caso, do Ministério Público. Não encontrou a Procuradora-Geral da República matéria disciplinar nestes textos, publicados numa rede social.  Liberdade de expressão, clama-se.
Bem, não sei exactamente que tipo e que amplitude de liberdade de expressão tem a Procuradora-Geral da Repúbica em mente, mas não é deste tipo a que se ensina hoje na Faculdade de Direito de Lisboa, cabe-me já agora também esclarecer os leitores. A liberdade que permite ameaçar, e mesmo de morte, pessoas concretas costumava significar outra coisa, daquelas que vêm previstas no Código Penal.

É certo que foi aberto um inquérito disciplinar. A ver com que resultados. Mas o grave, para além das ameaças, livres e tontas, a pessoas em concreto, é que este tipo de espectáculo tem um outro resultado imediato: cria medo. Medo legítimo de se ser investigado ou julgado por alguns dos que ali se sentiram livres para escrever o que pensam. Não medo da sua liberdade de escrita, mas medo simplesmente da sua cabeça.

Quando um magistrado, de quem se exige uma especial responsabilidade, com mais ou menos jocosidade, acha normal escrever no Facebook que tem vontade de atirar a matar contra jornalistas denominados ou contra os políticos de um determinado partido, isso escapa à discussão sobre liberdade de expressão e escapa até ao paternalismo do advogado de José Sócrates quando falou em “garotada” que deveria era ir despachar processos. É outra coisa. Ignorar isso só significa isto: que está bem, que se concorda, que pode ser. E não pode. Porque isso ofende desde logo as magistraturas e o serviço público de dizer a justiça.

Professor da Faculdade de Direito de Lisboa
Escreve à terça-feira

Glosas e comentários


Mas o grave, para além das ameaças, livres e tontas, a pessoas em concreto, é que este tipo de espectáculo tem um outro resultado imediato: cria medo


Magistrados, presumivelmente judiciais e do Ministério Público, publicaram no Facebook textos, reproduzidos entretanto na imprensa, sobre a prisão de José Sócrates e temas afins, em termos no mínimo discutíveis. A informação disso mesmo foi dada pelo advogado de José Sócrates aos jornalistas, e bem, uma vez que o fez na amplitude de poderes que lhe são concedidos para a defesa do seu constituinte.

E de que é que se trata em concreto? Lendo alguns dos comentários em causa entretanto reproduzidos pela imprensa, confesso que há um em especial que me incomoda. Aquele em que um dos alegados escribas magistrados se insurge contra um seu colega, a quem apelida de “bufo”, a propósito da notícia pública dos próprios comentários. “Ouviste, bufo?

Isto é para ti! (…) Não vamos demorar a apanhar-te!”, avisa o douto magistrado dirigindo-se ao seu suposto colega delator.
José Sócrates é obviamente visado nestes textos, mas também o são por exemplo jornalistas – e pelo seu nome, em termos, no mínimo, desgraçados. “Nunca posso ter arma porque em dias como estes iam Claras Ferreiras Alves, Sousas Tavares, e no Rato só ficava a porteira”, escreve-se também por ali com assinalável precisão e honestidade. Será nisto que se pensa quando se diz que há homicidas que anunciam o seu crime com antecedência e apenas não se sabe ler os sinais?

Soube-se agora que nada disto comoveu a hierarquia, no caso, do Ministério Público. Não encontrou a Procuradora-Geral da República matéria disciplinar nestes textos, publicados numa rede social.  Liberdade de expressão, clama-se.
Bem, não sei exactamente que tipo e que amplitude de liberdade de expressão tem a Procuradora-Geral da Repúbica em mente, mas não é deste tipo a que se ensina hoje na Faculdade de Direito de Lisboa, cabe-me já agora também esclarecer os leitores. A liberdade que permite ameaçar, e mesmo de morte, pessoas concretas costumava significar outra coisa, daquelas que vêm previstas no Código Penal.

É certo que foi aberto um inquérito disciplinar. A ver com que resultados. Mas o grave, para além das ameaças, livres e tontas, a pessoas em concreto, é que este tipo de espectáculo tem um outro resultado imediato: cria medo. Medo legítimo de se ser investigado ou julgado por alguns dos que ali se sentiram livres para escrever o que pensam. Não medo da sua liberdade de escrita, mas medo simplesmente da sua cabeça.

Quando um magistrado, de quem se exige uma especial responsabilidade, com mais ou menos jocosidade, acha normal escrever no Facebook que tem vontade de atirar a matar contra jornalistas denominados ou contra os políticos de um determinado partido, isso escapa à discussão sobre liberdade de expressão e escapa até ao paternalismo do advogado de José Sócrates quando falou em “garotada” que deveria era ir despachar processos. É outra coisa. Ignorar isso só significa isto: que está bem, que se concorda, que pode ser. E não pode. Porque isso ofende desde logo as magistraturas e o serviço público de dizer a justiça.

Professor da Faculdade de Direito de Lisboa
Escreve à terça-feira