Médio Oriente. Ocidente culpado pela fragmentação da região

Médio Oriente. Ocidente culpado pela fragmentação da região


Conquista do Irão pelo aiatola Khomenei aumentou as divergências do Médio Oriente com o Ocidente. 


A denominada “guerra de civilizações” está no vocabulário dos especialistas que estudam os conflitos no Médio Oriente e as ameaças provenientes de grupos que exercem influência nos países da região. As guerras civis na Síria e no Iémen e a instabilidade verificada no Iraque desde 2003 promoveram o aparecimento de estruturas fora do controlo estatal com o intuito de causar receio nas populações locais, mas também alertar as sociedades ocidentais. O historiador Jaime Nogueira Pinto garantiu ao i que “não estamos a viver uma guerra de civilizações”. Só existem condições para isso acontecer “quando os jihadistas assumirem a liderança do islão e o discurso de ódio continuar a espalhar-se”. 

As razões que estão por trás do conflito entre o islão e o Ocidente têm sido objecto de estudo pelos especialistas em todo o mundo. A pergunta que todos colocam, mas a que ninguém sabe responder, está relacionada com a forma de travar os ataques, que têm vindo a multiplicar-se em várias capitais ocidentais. Os governos afectados utilizam as suas estruturas militares para eliminar a ameaça. As manifestações de solidariedade servem para mostrar aos jihadistas que não existe medo de sair à rua. As duas fórmulas testadas provocam dúvidas junto das populações. Jaime Nogueira Pinto pretende entrar no campo psicológico dos dois lados para perceber quais são as reivindicações. O especialista considera ser necessário “explicar o que está em jogo e acabar com a histeria”. No seu entendimento, é preciso “tentar entrar na cabeça de um lado e de outro para se perceber as queixas, razões e desrazões”. 
 
INÍCIO Os livros de história relatam inúmeras guerras entre os mesmos protagonistas. Ao longo dos séculos, o islamismo e as sociedades ocidentais tiveram problemas de natureza social, política e económica. Contudo, há sempre um novo ciclo em cada conflito. Nogueira Pinto assegura que “o ano de 1979 é crucial porque marca um novo tempo nas grandes discórdias no seio do islão”, bem como nas relações com os países ocidentais. O autor de “O Islão e o Ocidente” justifica o seu argumento com três factos históricos.

O primeiro foi a queda do “xá do Irão e a conquista do poder pelos xiitas do aiatola Khomenei”. O assalto à grande “mesquita de Meca pelos radicais sunitas” é o segundo acontecimento elencado pelo analista. Por último, “a invasão do Afeganistão pelos soviéticos”, que culminou com o nascimento político de Osama bin Laden. O princípio do século XXI foi responsável pelo aparecimento da identidade islâmica que substituiu o nacionalismo árabe. Nogueira Pinto acredita que “a mudança provocou o aumento de acções terroristas, cujo ponto alto foi o ataque às torres do World Trade Center nos Estados Unidos, em 2001”. O historiador identifica a ultrapassagem “da Al–Qaeda pelo Estado Islâmico como a novidade mais recente”, que originou tensão entre as duas sociedades. 

FRAGMENTAÇÃO As manifestações que ocorreram a partir de 2011 mudaram o mapa político e social em alguns países da região. A “Primavera Árabe” ficou conhecida depois de os movimentos cívicos terem sido responsáveis pela mudança de regimes em países como a Tunísia, Egipto e Líbia e por uma guerra civil na Síria, tendo havido tentativas de golpe de Estado noutros países do Médio Oriente. O historiador diz que “o entusiasmo pelas manifestações em 2011 teve efeitos perversos”, embora admita que a Tunísia foi o único caso de sucesso. 

A guerra na Síria não tem fim à vista, tendo causado uma grave situação humana, e o recente conflito no Iémen abre mais uma ferida que não será fácil de resolver. O Iraque continua dividido politicamente. Um exemplo da tensão na região é a instabilidade na Síria. Jaime Nogueira Pinto refere que “neste momento, a Síria está dividida em quatro partes”. A primeira é controlada por Bashar al-Assad e a segunda pelo Estado Islâmico. O especialista acrescenta que “parte do território está nas mãos dos movimentos que estão contra o governo e o grupo”. Por fim, ainda há a Síria dos curdos. Nogueira Pinto entende que “nunca o Médio Oriente esteve tão fragmentado”. Num livro recentemente publicado, o investigador português Bernardo Pires de Lima explica que a Síria está dividida em três partes. 

O autor de “Islão e o Ocidente – A Grande Discórdia” destaca as discórdias entre os Estados árabes e os seus dirigentes como factor determinante para a instabilidade interna. No entanto, aponta o dedo às políticas norte-americanas no Médio Oriente, em particular a forma como os Estados Unidos da América entraram e saíram do Iraque na última década. Na sua opinião, “as intervenções desestabilizadoras por parte de George W. Bush, em 2003, e a saída precipitada de Barack Obama, em 2013”, são motivos suficientes para o Médio Oriente estar “desarrumado e perigoso para os seus povos e o resto do mundo”. A forma como o mundo árabe se sente tratado pelo Ocidente e as políticas ocidentais em relação a Israel dificultam todas as tentativas de chegar a uma solução pacífica. 

GRUPOS O aparecimento de grupos irregulares, que não estão sob a liderança dos exércitos, aconteceu devido ao vazio criado pelas políticas adoptadas. O historiador realça que “as relações entre o mundo muçulmano e o chamado mundo cristão são fundas e determinantes e as várias intervenções ocidentais no Médio Oriente e no Magrebe, ao longo dos tempos e nos últimos anos, não são alheias ao estado de coisas e aos vazios criados, que abrem espaço a todo o tipo de forças e grupos irregulares”. 

TERRENO O Estado Islâmico continua a conquistar cidades importantes no Iraque. A última localidade que caiu nas mãos do grupo foi Ramadi. Nos últimos meses, a capital da província de Anbar estava a ser disputada pelo exército iraquiano e os rebeldes. De acordo com as agências internacionais, os jihadistas hastearam a bandeira no quartel-general da polícia. Os especialistas consideram que a conquista de Ramadi e o controlo da maior província iraquiana “foi uma vitória extraordinária”. Na província de Nínive tem-se verificado um avanço significativo. 

As forças militares da Síria também lutam contra a possibilidade de o Estado Islâmico destruir as ruínas de Palmira. O monumento, localizado no deserto entre Damasco e Deir al-Zour, é considerado património mundial pela UNESCO. O exército sírio enviou aviões e tropas para impedir o avanço “alarmante” dos jihadistas. Naquela zona encontram-se campos petrolíferos e uma base militar. Os responsáveis sírios pediram ajuda à coligação internacional que opera no terreno para tentar evitar situações semelhantes às ocorridas em Nimrod, Hatra e Mossul. Uma responsável da UNESCO afirmou que o “local não deve ser utilizado para fins militares”, tendo apelado à protecção dos monumentos. A agência AFP revelou que a ofensiva do Estado Islâmico que começou na terça-feira passada já provocou a morte de 73 soldados e 65 terroristas. O grupo decapitou dez pessoas acusadas de colaborar com o regime de Bashar al-Assad. 

No Iémen, as organizações humanitárias estão a ter dificuldade em chegar às localidades devido aos ataques aéreos que se registaram nos últimos dias. As Nações Unidas afirmam que milhares de pessoas necessitam de ajuda urgente. Comida, medicamentos e combustíveis chegam ao porto de Hudaydah para serem distribuídos pelas diferentes províncias. 

O enviado especial das Nações Unidas ao Iémen, Ismail Ould Cheikh Ahmed, mostrou preocupação face ao clima de guerra que se instalou no país. Ismail Ould Cheikh Ahmed solicitou às partes envolvidas nas negociações que “resistam às provocações que desestabilizam as tentativas de paz e podem restaurar a violência no país”. As províncias de Hudaydah, Amran e Haijah são as mais problemáticas em termos de ajuda humanitária.