Já é tarde para falar


A ideia que temos hoje dos miúdos é outra, mais esperançosa. 


Esta semana fomos surpreendidos por um acto que não é original, que não aconteceu pela primeira vez e também não será a última que acontecerá. Um rapaz de 17 anos matou outro de 14. Não deixa de ser chocante porque, afinal de contas, são miúdos e a ideia que temos hoje dos miúdos é outra, mais esperançosa. É neste ponto que erramos: os miúdos são todos diferentes e o mais normal é nenhum saber o que é. Se existe alguma coisa rara neste caso é o número de vezes em que o conhecimento se torna definitivo tão cedo. 

Numa notícia diziam que Daniel Neves matou Filipe Costa porque lhe queria roubar a roupa, os ténis e o telemóvel. Rita Costa, a mãe da vítima, que tinha contactado as autoridades porque o filho estava desaparecido desde que saíra de casa, na segunda-feira, para ir à Feira de Magos, cruzou-se com o homicida na rua e percebeu que ele levava vestido o blusão do filho. Os meios são pequenos e a vida tem destes acasos curiosos. Daniel foi interrogado pela polícia e acabou por confessar que tinha deixado Filipe a morrer numa arrecadação em Salvaterra de Magos, depois de o atingir com uma barra de ferro. Parece que a confissão à PJ não será admitida como prova em tribunal mas, até agora, não foi apresentada nenhuma razão para o homicídio. Como se num caso destes pudesse haver uma motivação que nos fizesse compreender este acto bárbaro.

Há dias apareceu na televisão a sugestão de que o assassino tinha interpretado um gesto da vítima como tentativa de assédio. Não sei o que significa isto, mas imagino que a defesa do homicida confesso esteja a trabalhar. Entretanto, nos próximos dias, seremos inundados com informações sobre o Daniel, que tinha alguns antecedentes criminais, como detenções por posse de droga. Estava referenciado pela Comissão de Protecção de Menores. Mas certamente os vizinhos dirão que nunca pensaram que fosse capaz de um acto assim, que até era bom rapaz, que tinha uma vida familiar conturbada, que não tinha culpa, coitado, etc. Uma série de desculpabilizações de estranhos serão repetidas na esperança de os próprios se poderem desculpar em público pelo que nunca imaginaram ser possível. Como se tivessem a obrigação de adivinhar…

A mãe do Daniel escreveu uma mensagem no Facebook que parece ter chocado muita gente. A mãe toma uma atitude de extraordinária coragem ao descrever a conduta do seu filho com lucidez, sem ceder ao estereótipo habitual da mãe que iliba o filho de qualquer horror. A frase que escreveu, “os pais não têm de pagar pelos erros dos filhos e vice-versa”, torna claro que não defende o acto indesculpável do filho. Outra frase impressionante é: “Preferia mil vezes que ele estivesse no lugar do Filipe.” Lembra Platão, que no “Górgias” argumenta que é melhor ser vítima da injustiça do que injusto. 
Esta mensagem será incompreendida pelos que se apressam a sacrificar mães, pais, meio ambiente e escolas para sufocar a responsabilidade individual. Esta mãe afirmou que não tinha culpa por o filho ser assim: um assassino. Foi esta a descoberta que Daniel fez naquele dia sobre si. Agora sabe quem é.

Escreve à segunda-feira 

Já é tarde para falar


A ideia que temos hoje dos miúdos é outra, mais esperançosa. 


Esta semana fomos surpreendidos por um acto que não é original, que não aconteceu pela primeira vez e também não será a última que acontecerá. Um rapaz de 17 anos matou outro de 14. Não deixa de ser chocante porque, afinal de contas, são miúdos e a ideia que temos hoje dos miúdos é outra, mais esperançosa. É neste ponto que erramos: os miúdos são todos diferentes e o mais normal é nenhum saber o que é. Se existe alguma coisa rara neste caso é o número de vezes em que o conhecimento se torna definitivo tão cedo. 

Numa notícia diziam que Daniel Neves matou Filipe Costa porque lhe queria roubar a roupa, os ténis e o telemóvel. Rita Costa, a mãe da vítima, que tinha contactado as autoridades porque o filho estava desaparecido desde que saíra de casa, na segunda-feira, para ir à Feira de Magos, cruzou-se com o homicida na rua e percebeu que ele levava vestido o blusão do filho. Os meios são pequenos e a vida tem destes acasos curiosos. Daniel foi interrogado pela polícia e acabou por confessar que tinha deixado Filipe a morrer numa arrecadação em Salvaterra de Magos, depois de o atingir com uma barra de ferro. Parece que a confissão à PJ não será admitida como prova em tribunal mas, até agora, não foi apresentada nenhuma razão para o homicídio. Como se num caso destes pudesse haver uma motivação que nos fizesse compreender este acto bárbaro.

Há dias apareceu na televisão a sugestão de que o assassino tinha interpretado um gesto da vítima como tentativa de assédio. Não sei o que significa isto, mas imagino que a defesa do homicida confesso esteja a trabalhar. Entretanto, nos próximos dias, seremos inundados com informações sobre o Daniel, que tinha alguns antecedentes criminais, como detenções por posse de droga. Estava referenciado pela Comissão de Protecção de Menores. Mas certamente os vizinhos dirão que nunca pensaram que fosse capaz de um acto assim, que até era bom rapaz, que tinha uma vida familiar conturbada, que não tinha culpa, coitado, etc. Uma série de desculpabilizações de estranhos serão repetidas na esperança de os próprios se poderem desculpar em público pelo que nunca imaginaram ser possível. Como se tivessem a obrigação de adivinhar…

A mãe do Daniel escreveu uma mensagem no Facebook que parece ter chocado muita gente. A mãe toma uma atitude de extraordinária coragem ao descrever a conduta do seu filho com lucidez, sem ceder ao estereótipo habitual da mãe que iliba o filho de qualquer horror. A frase que escreveu, “os pais não têm de pagar pelos erros dos filhos e vice-versa”, torna claro que não defende o acto indesculpável do filho. Outra frase impressionante é: “Preferia mil vezes que ele estivesse no lugar do Filipe.” Lembra Platão, que no “Górgias” argumenta que é melhor ser vítima da injustiça do que injusto. 
Esta mensagem será incompreendida pelos que se apressam a sacrificar mães, pais, meio ambiente e escolas para sufocar a responsabilidade individual. Esta mãe afirmou que não tinha culpa por o filho ser assim: um assassino. Foi esta a descoberta que Daniel fez naquele dia sobre si. Agora sabe quem é.

Escreve à segunda-feira