"Quando era jovem, tinha liberdade, mas não a via. Tinha tempo, mas não sabia. E tinha amor, mas não o sentia. Muitas décadas passariam antes que entendesse o significado dos três." – Ezio Auditore
Escolhi começar com um enxerto da derradeira mensagem de Ezio, indiscutivelmente uma das mais adoradas figuras da série Assassin's Creed, de longe a mais bem caracterizada, porque a mesma está no coração da curta animada "A.C. Embers" de 2011, momento em que vemos Shao Jun pela primeira vez.
A curta não revela muito sobre as origens da misteriosa assassina, no entanto, entrega as suas motivações e a razão pela qual procura a ajuda do veterano. Quatro anos mais tarde, antes de Rússia e Índia, China é o primeiro palco da trilogia Chronicles, que traz Shao de regresso, decidida em reestabelecer a Ordem de assassinos naquele país, aproveitando para alimentar um desejo de vingança contra o grupo de templários conhecido por Tigers.
Como rito de iniciação, é importante que tenham em mente que este não é um Assassin's Creed comum, China troca o mundo aberto e os gigantescos valores de produção típicos da série, por um ambiente 2.5D, de traço desenhado à mão e uma estética oriental mais negra e contrastante. O gameplay por seu lado parece saído de uma relação amorosa entre Mark of the Ninja e Counterspy, num estilo sidescroller furtivo e totalmente assente em execução.
O objectivo principal de cada quadro passa por conseguir atravessar o nível com vida, eliminando um alvo específico no final. O objectivo principal de cada quadro passa por conseguir atravessar o nível com vida, eliminando um alvo específico no final. Este método mantém-se ao longo dos 12 capítulos que compõe esta primeira parte da trilogia. Não existem dois tempos, nem arcos que se tocam ao longo da aventura, todo o jogo é um suceder de contractos para assassinar este e aquele templário.
Antes de entrar nas especificidades do design, comecemos pelos controlos, que se destacam pela fluidez e velocidade de navegação. Movemo-nos horizontal e verticalmente ao longo dos quadros, que são adornados por uma profundidade que nos convida a alternar entre planos, no interior do mesmo nível.
Estes são protegidos por guardas que patrulham as áreas em redor, e que podemos eliminar ou evitar por completo até atingir o final. Apesar das notórias diferenças sistémicas, é notório que se trata de um Assassin’s Creed, seja pelo funcionamento dos assassinatos, a sincronização dos quadros antes de um salto épico para um monte de feno, ou a recompensa inerente a uma abordagem mais furtiva, em contraste com um método guerreiro, bem mais penalizador neste caso.
O combate é reminiscente da série principal, no sentido de funcionar num sistema de ataque normal, forte ou bloqueio. É repetitivo e limitado, mas é também secundário. Quero com isto dizer que combater não é o principal atractivo do jogo, a verdadeira gratificação está antes em evitar o combate. O padrão dos guardas foi desenhado para que seja possível atravessar qualquer área sem que ninguém tenha ideia do que acabou de acontecer.
Por vezes é difícil acreditar que é possível fazê-lo, mas isso é apenas um atestado de bom design. Acredito inclusive que aí está o real valor de Assassin’s Creed: China, não no simples completar da aventura, que termina em gancho, afinal, ainda faltam dois capítulos, mas no completar cada segmento de forma perfeita. O modo quase imediato com que é possível recarregar cada checkpoint é indicativo disso mesmo, para que possamos estudar os padrões e tentar cada secção inúmeras vezes até chegar à perfeição.
No caso de preferirmos uma abordagem mais descuidada, o desenrolar do jogo torna-se desinteressante, por ser rápido e repetitivo. Para mitigar esse factor, Jun vai conseguindo novas habilidades, desenhadas também para enfrentar diferentes problemas impostos pelos cenários e guardas. Só para dar alguns exemplos, existem guardas que carregam lanternas, tornando-os capazes de nos descobrirem em esconderijos, outros são sensíveis ao som, o que nos obriga a caminhar silenciosamente, há aqueles que disparam armas de fogo, e para isso mesmo Jun desenvolve a capacidade de se desviar de projécteis.
Os níveis possuem as mesmas particularidades, certas áreas parecem um puzzle ambiental, nunca demasiado complexo, mas suficiente para esconder baús especiais, animus shards, scroll chests e helix boosts, que servem para encher uma barra que nos permite a transformação num assassino supersónico.
“As maiores limitações deste projecto spin-off estão na fraca apresentação e na receptividade que impõe” As maiores limitações deste projecto spin-off estão na fraca apresentação e na receptividade que impõe, por mais habilidades que vá adicionando, se não estivermos interessados em completar os segmentos de forma perfeita, rapidamente a progressão se torna enfadonha, até porque as novas habilidades e ferramentas ao dispor de Jun, são facilmente ignoráveis. Outro claro problema encontra-se na imprecisão de alguns comandos, para dar um exemplo, é aconselhável esconder os corpos dos guardas caídos para não alertar os colegas, isto requer o posicionamento correto e o pressionar de um botão, que nem sempre regista o comando, obrigando-nos a perder tempo, muitas vezes precioso para evitar as patrulhas.
Para lá de todas as limitações, achei a experiência interessante e adequada ao nome que carrega. Um dos méritos da série Assassin’s Creed, para lá da forma como mistura elementos históricos com fantasia, é o “empowerment” que empresta ao jogador. Sentimo-nos poderosos com o manto vestido, prontos para mergulhar num mundo aberto e à nossa mercê. É um dos elementos que surpreendentemente se mantem mesmo neste novo registo.
O ritmo com que é possível atravessar os vários segmentos com as periódicas classificações “Gold” é muito prazeroso, fazendo-nos sentir legitimamente poderosos.
Veredicto
O grande desafio com que Chronicles terá de viver agora, passa por apresentar suficiente diferenciação mecânica nos restantes capítulos, de forma a manter a sensação de frescura, ofuscando assim as óbvias limitações com que o jogo precisa de viver. A ordem precisa ser restabelecida, não apenas na China, mas nas restantes zonas do globo.
Quanto a Jun, vemo-nos numa outra altura, quem sabe com maiores ambições por detrás.
7.9/10
*Artigo escrito por Aníbal Gonçalves, da IGN Portugal.