Passos: o homem que teve duas vidas


O primeiro-ministro foi imprevisível na sua primeira vida. E previsível na sua segunda. “Somos o que escolhemos ser”, diz a sua biógrafa, um título pretensioso e manifestamente errado


A entrevista de Passos Coelho ao semanário “Sol” foi o acontecimento político da semana e é um interessante objecto de análise sobre a figura, o pensamento e a acção do primeiro-ministro. No final da manhã de ontem, curiosamente, numa troca de impressões com José António Saraiva, director do jornal e um dos entrevistadores, partilhei da sua opinião em relação a um surpreendente paradoxo. 

Existe um homem que, no passado, era definido pelos seus mais próximos como alguém que gostava de viver a vida. Cantava, apaixonava-se facilmente e era imaturo – o que tanto preocupou Cavaco Silva no momento em que Pedro conquistou o direito a ser primeiro-ministro. Voltou, se estão recordados, a falar-se de moeda boa e má, e vários cépticos concluíram que o jovem acabado de suceder a Sócrates era mais um exemplo da degradação da classe política. Mais um que chegava ao poder sem ter feito nada de substancial para isso (o que é absolutamente verdade), mais um que chegava ao poder como bom representante de um tempo de facilidades, facilitismos, inconstância. Mais um que chegava ao poder vindo de uma juventude partidária e habituado às pequenas traficâncias, pequenos golpes, pequenos nadas. Pode ser manifestamente injusto, mas Passos Coelho tinha esta imagem. 

Ao fim de quase cinco anos na liderança do governo, e tendo como parceiro de coligação Paulo Portas, o primeiro-ministro revelou-se, em muitas circunstâncias, o oposto do que tantos davam como certeza. Na relação com os credores e com o Presidente da República, na forma como segurou o governo após o “irrevogável” de Portas, na maneira calma como se foi defendendo dos ataques no parlamento, na teimosia com que lidou com determinados assuntos (incrível como Nuno Crato vai mesmo conseguir terminar a legislatura), no modo como, acintosamente, não faz cair amigos nem se parece importar com sondagens e eleições (elogio a Dias Loureiro, relação com Miguel Relvas, desabafos quando afirmou a dirigentes do PSD que se estava a lixar para as eleições). 

Passos Coelho revelou-se um homem gélido. Metódico, teimoso nas suas convicções e estável ao ponto de ser, no seu tom monocordicamente paciente, aborrecido de morte. Para uns, os que dele não gostam, um sonso. Para outros, um homem certinho e previsível, o que se pede numa época de contenção. O primeiro-ministro foi imprevisível na sua primeira vida. E previsível na sua segunda. “Somos o que escolhemos ser”, diz a sua biógrafa, um título pretensioso e manifestamente errado. Se tivesse escrito uma biografia de Pedro, inclinar-me-ia para “O homem que teve duas vidas”. Seria muito mais correcto. 

Um homem capaz de uma transformação tão grande, de uma mudança tão camaleónica, não pode ser menosprezado. E esse é o principal desafio de António Costa. Há uns anos, se o líder do PS pedisse opinião a um especialista em conquista de poder, ele dir--lhe-ia certamente que teria de o atacar nas suas fragilidades, na sua sensibilidade excessiva para uma vida… como dizer… profana. E agora, o mesmo especialista dir--lhe-ia o contrário, que teria de atacá-lo pela forma espartana como vê a vida, pela insensibilidade social que mostra, por tudo o que não parecia ser. É uma batalha difícil, um osso duro de roer. Que a batalha comece e o país, ao menos, possa ganhar com isso. 


Passos: o homem que teve duas vidas


O primeiro-ministro foi imprevisível na sua primeira vida. E previsível na sua segunda. “Somos o que escolhemos ser”, diz a sua biógrafa, um título pretensioso e manifestamente errado


A entrevista de Passos Coelho ao semanário “Sol” foi o acontecimento político da semana e é um interessante objecto de análise sobre a figura, o pensamento e a acção do primeiro-ministro. No final da manhã de ontem, curiosamente, numa troca de impressões com José António Saraiva, director do jornal e um dos entrevistadores, partilhei da sua opinião em relação a um surpreendente paradoxo. 

Existe um homem que, no passado, era definido pelos seus mais próximos como alguém que gostava de viver a vida. Cantava, apaixonava-se facilmente e era imaturo – o que tanto preocupou Cavaco Silva no momento em que Pedro conquistou o direito a ser primeiro-ministro. Voltou, se estão recordados, a falar-se de moeda boa e má, e vários cépticos concluíram que o jovem acabado de suceder a Sócrates era mais um exemplo da degradação da classe política. Mais um que chegava ao poder sem ter feito nada de substancial para isso (o que é absolutamente verdade), mais um que chegava ao poder como bom representante de um tempo de facilidades, facilitismos, inconstância. Mais um que chegava ao poder vindo de uma juventude partidária e habituado às pequenas traficâncias, pequenos golpes, pequenos nadas. Pode ser manifestamente injusto, mas Passos Coelho tinha esta imagem. 

Ao fim de quase cinco anos na liderança do governo, e tendo como parceiro de coligação Paulo Portas, o primeiro-ministro revelou-se, em muitas circunstâncias, o oposto do que tantos davam como certeza. Na relação com os credores e com o Presidente da República, na forma como segurou o governo após o “irrevogável” de Portas, na maneira calma como se foi defendendo dos ataques no parlamento, na teimosia com que lidou com determinados assuntos (incrível como Nuno Crato vai mesmo conseguir terminar a legislatura), no modo como, acintosamente, não faz cair amigos nem se parece importar com sondagens e eleições (elogio a Dias Loureiro, relação com Miguel Relvas, desabafos quando afirmou a dirigentes do PSD que se estava a lixar para as eleições). 

Passos Coelho revelou-se um homem gélido. Metódico, teimoso nas suas convicções e estável ao ponto de ser, no seu tom monocordicamente paciente, aborrecido de morte. Para uns, os que dele não gostam, um sonso. Para outros, um homem certinho e previsível, o que se pede numa época de contenção. O primeiro-ministro foi imprevisível na sua primeira vida. E previsível na sua segunda. “Somos o que escolhemos ser”, diz a sua biógrafa, um título pretensioso e manifestamente errado. Se tivesse escrito uma biografia de Pedro, inclinar-me-ia para “O homem que teve duas vidas”. Seria muito mais correcto. 

Um homem capaz de uma transformação tão grande, de uma mudança tão camaleónica, não pode ser menosprezado. E esse é o principal desafio de António Costa. Há uns anos, se o líder do PS pedisse opinião a um especialista em conquista de poder, ele dir--lhe-ia certamente que teria de o atacar nas suas fragilidades, na sua sensibilidade excessiva para uma vida… como dizer… profana. E agora, o mesmo especialista dir--lhe-ia o contrário, que teria de atacá-lo pela forma espartana como vê a vida, pela insensibilidade social que mostra, por tudo o que não parecia ser. É uma batalha difícil, um osso duro de roer. Que a batalha comece e o país, ao menos, possa ganhar com isso.