BB King.  Primeiro nome “blues”,  apelido “rei”

BB King. Primeiro nome “blues”, apelido “rei”


Um dos nomes maiores da música americana, deixou o Mississippi para conquistar tudo pela frente. Poucos o conseguiram como esta majestade.


O destemido que arriscou a pele num bar a arder para salvar uma guitarra (uma guitarra não, desculpem, Lucille, que as damas têm nomes); o especialista que nunca foi virtuoso mas que criou o mais popular dos vibratos sobre seis cordas; o maior dos uivos, o sobrevivente de uma geração que das entranhas fez vozes mágicas – vindas das cavernas, sim, mas mágicas; o miúdo do campo que deu em herói da cidade, embaixador de uma tradição que procurou ser de todos – chamem-lhe comercial, mainstream ou qualquer outra coisa do género, ele nunca se importaria com nada disso. BB (Blues Boy) King, era o rei, era mesmo, não havia ninguém para lhe contestar o trono. Haverá sucessores, de outras linhagens, mas sempre com parte do mesmo sangue, é inevitável. O bluesman morreu na quinta-feira, aos 89 anos, em Las Vegas. Luzes, sempre as luzes, raio do homem.

Porque cumpria as suas funções como mandavam as regras, BB King vivia para contar histórias. Daí que vê-lo ao vivo nos últimos anos, sentado e com a guitarra no colo, não lhe dava menos protagonismo, não se perdia o encanto dos blues. Para este rei – como para todas as lendas que vieram antes dele – ter os blues era uma alegria, uma festa. Ter os blues, diz a história das misérias, é estar triste, é não resolver aquele coração partido, é não conseguir abandonar aquela garrafa de whiskey. BB King cantava os porquês de tudo isso mas fazia-o como quem faz um circo vadio: hoje aqui, amanhã, logo se vê, sempre com a mesma atitude de quem sabe que vai ganhar, não há outro remédio. E, verdade seja dita, BB não é nome de nascimento mas King sempre foi o seu apelido. Comecemos por aí.

Princípio Nasceu Riley B. King em 1925, de acordo com os estereótipos clássicos das grandes figuras dos blues: filho de apanhadores algodão, com berço no Mississippi, educado pela avó porque em casa nunca seria possível e com os ouvidos postos na igreja, onde descobriu o encanto pela música e pela respectiva bênção. As guitarras apareciam nos campos, ninguém perguntava porquê, era preciso cantar e, ao mesmo tempo, um motor para a música era fundamental. 

Mas foi com o programa de rádio “King Biscuit Time” que tudo mudou. Os blues ficaram-lhe no topo das vontades. Dedicou-se sozinho à guitarra, mudou-se para Memphis, conheceu Sonny Boy Williamson, foi DJ numa rádio local, ganhou uma alcunha e marcou os primeiros concertos. Em 1951 gravava “Three O’Clock Blues” (depois de ter editado os primeiros singles em 1949) e estava lançado nas estradas americanas.

Dizer que estava em digressão desde sempre não é exagero. Entre 200 a 300 concertos por ano, todos os anos, durante cinco décadas desde que no início dos anos 50 chegou ao topo das tabelas de vendas dos blues. Talento e trabalho, os dois juntos fizeram de BB King uma estrela. Na década de 60 andavam Jimi Hendrix e Eric Clapton (para que a lista agora fique curte, porque mais nomes haveria a incluir) a mudar o figurino da guitarra no rock’n’roll e estava o rei entre as influências e até os palcos que estes pisavam.

Ao mesmo tempo, foi também graças a essas referências que o BB ganhou estatuto de estrela rock’n’roll. Já não era só a estante dos blues que King ocupava nas lojas de discos. Com Muddy Waters e Howlin’ Wolf, estava, já então, entre os clássicos intemporais e assim continuou. Mas foi muito mais longe porque assimilava influências sem preconceitos. Qualidades de quem nasceu para a tarefa que lhe calhou em sorte. E fora isso tinha a categoria.

Se não fosse outra coisa, havia aquela mão esquerda, que abanava para que o vibrato estivesse no ponto, o vibrato que era único e que ainda hoje tudo o que é garoto tenta imitar. Não que todos os garotos conheçam BB King mas todos seguem alguém que tem no rei um herói, pelo menos isso é garantido. À segunda nota toda a gente sabe quem está a tocar e essa é uma glória rara.

Legado Como em tudo o que é carreira de longo curso, nem sempre esteve onde queria estar. Vieram as estrelas da soul e do R&B, veio o disco e o punk. Veio tudo mas BB sempre no mesmo caminho, o que não lhe deu sucesso maior que “The Thrill Is Gone”, depois do segundo divórcio. Também nunca mais se casou.

Assunto arrumado. Apesar dos 15 filhos que em tempos disse ter, falava sempre de Lucille como mulher mais próxima. Era o nome que dava a todas as guitarras (usava uma Gibson 335), depois da que resgatou de um bar em chamas em Twist, no Arkansas. O incêndio foi provocado por dois homens à pancada. A razão? Uma mulher chamada Lucille. Na altura, a guitarra que salvou valia 30 dólares mas ganhou ali uma história para o ajudar a conquistar os muitos milhões que facturou ao longo da vida.

Os tops dos anos 50, a invasão britânica na década 60 e o rei sempre citado como influência; os concertos com os Rolling Stones ou os U2; os prémios, as homenagens e os programas de televisão, do “Cosby Show” à “Rua Sésamo”;  e os fãs, quase todo o mundo, até o papa João Paulo II, que recebeu uma Lucille das mãos do bluesman, o mesmo que em 2011 conquistou Glastonbury. Viveu os blues como quase mais ninguém, suceder-lhe será impossível.