Ser de esquerda, nem mesmo agora, quererá dizer que se é parvo. Por convicção própria, acredito que o não seja. As convicções, porém, valem o que valem. Mas ser de esquerda não deve pressupor acreditar-se em tudo o que nos dizem ser de esquerda e intocável. Por exemplo, a actividade dos sindicatos em geral deixa muito a desejar, e sobretudo deixa (ou deveria deixar) perplexo muito povo de esquerda. Esta coisa de haver greves de transportes a toda a hora já foi questionada inteligentemente pelos dirigentes sindicais? As greves de metro, Carris, comboios, cacilheiros, etc., a quem prejudicam realmente? Aos administradores, que se deslocam com motorista e carro de empresa? Ou aos desgraçados que não têm outra forma de se dirigirem para o emprego senão de metro, de autocarro ou de cacilheiro? O governo preocupa-se? Acho que é para o lado que dorme melhor.
Os sindicatos vivem nos tempos de Charles Dickens e nós vivemos numa época completamente diferente. Não há proletários como os havia no final do século XIX; hoje há sobretudo serviços e o que as pessoas todas querem é viver melhor e ascender à categoria de burgueses o mais bem instalados na vida possível. Os sindicatos tem de aprender a viver com as novas realidades e tirarem daí as conclusões que se impõem.
Ainda se podem compreender, todavia, algumas greves, mesmo que as entendamos como erradas. Outras não têm, aparentemente, nenhuma razão plausível. A greve dos pilotos da TAP é, objectivamente, uma delas. Há um filme de Elia Kazan, com Marlon Brando, que nos demonstra que nem todas as greves são legítimas (deixemos a questão Kazan para outra altura). Essa era comandada por uma máfia que procurava tirar proveito da agitação social. Nem por sombra de dúvida acredito que por detrás dos pilotos esteja qualquer máfia desse tipo. Mas lá que há lodo, não no cais, mas no aeroporto, lá isso deverá haver. Que se pretende com esta greve? Acabar com a empresa? Torná-la mais barata para mais facilmente a privatizarem? Uma greve deste tipo, com a duração de dez dias, não vai contabilizar só os 35 milhões de prejuízo que se anunciam. A perda de confiança no prestígio da TAP é algo incontabilizável, para já. Andam por aqui, certamente, muitos interesses ocultos a impedir que os aviões levantem voo.
Escreve à sexta-feira