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escrever poemas não é boa maneira de atordoar os / tempos do verbo,/ não é o mesmo que meter a cabeça num buraco abissínio,/
nem perder algures uma perna/ e lembrar-me depois de perder ainda a outra:/ ninguém ganha assim uma barra de ouro,/
ninguém glorifica o corpo queimando-o com barras de ouro,/ ninguém transforma assim uma chaga a beleza humana,/
tórax e membros e a cabeça por entre a espuma:/ e como só de pensá-lo o corpo avança!/ escrever/, deixar de escrever,/ escrever ou não escrever não é acabar assim tão depressa/ quanto se pensava/ um poema ou dois ou cem não é nunca até ao fim,/
escrever poemas não é apenas vou ali e já volto à morte do/ costume:/ colinas tão próximas como se guardassem os nossos próprios/ olhos,/ e logo depois leva-as o vento para adjectivos longínquos,/
tudo tão prodigioso que se não entende nada:/ uma rosa é uma rosa é uma rosa – disse ela em inglês/ (há quantos anos li isso!)/ (há quantos anos fiquei bêbedo desse talhão de roseiras!)/
a rose is a rose is a rose et coetera/ – mudou-me a vida?/ oh faminta ciência da paciência!/ coisas bem menores mudaram para sempre a minha vida, /e então porque não a mudaria uma rosa compactamente/ múltipla?/
morrer por uma rosa é que fia mais fino:/ que fabuloso fio em que roca e em que fuso,/ que segredo do mundo
Retirado de “Poemas Canhotos”, de Herberto Helder