Só entra o hipopótamo


Na modernidade, o riso tornou-se zombeteiro, irónico, sarcástico, um riso de protesto e contestação


Os cientistas explicam que uma diferença essencial e demonstração de inteligência superior entre o ser humano e o animal são o riso e o sorriso. Porém, e conforme vamos privando com as espécies, vamos desconfiando da validade científica da afirmação.

Quando sufocamos com o boçal ministro, reclamamos com um morto-vivo nas finanças, corremos esbaforidos ao agente da EMEL ou ficamos febris com as aventesmas residentes nos canais de TV, declaramos sem remorso “este gajo é um animal”, da mesma forma que não é raro, ao olharmos embevecidos para o nosso cágado, afirmarmos para os amigos “até parece humano, só lhe falta falar”.

Daqui se poderia concluir que existem humanos só assim classificados por tédio e animais que só não são secretários de Estado por puro preconceito.

Heidegger e um hipopótamo chegam às portas do Paraíso e São Pedro diz:

– Escutem, hoje só temos espaço para mais um. Por isso, aquele que me der a melhor resposta à pergunta “qual é o sentido da vida?” entra.

Heidegger responde:

– Pensar explicitamente no Ser em si requer o menosprezo pelo Ser, na medida em que está apenas fundamentado e interpretado em termos de seres e para seres como seu fundamento, como em toda a metafísica.

E antes que o hipopótamo pudesse grunhir, São Pedro volta-se para ele e diz:

– Hoje é o teu dia de sorte, hipopótamo!

Foi Albert Memmi, escritor francês, quem disse que, quando o desesperado não tem outra solução, ri.

Se nos tempos que vivemos é preciso coragem para ter esperança, então para ter sentido de humor, para além de coragem, é necessário anuir que o homem é as suas circunstâncias e que rir é sabedoria de quem tem a convicção de que, por muito duros que sejam os momentos, outros e melhores tempos virão.

As pessoas contam piadas há milhares de anos para lidar com os desafios e os conflitos, e o humor revela muito sobre a nossa humanidade, sobre como pensamos, sentimos e nos relacionamos com os outros.

Ao longo da história, o riso sempre esteve presente. Na Antiguidade era utilizado para suportar os rituais religiosos e oficiais; na Idade Média incorporou-se na cultura popular, provocando a magia da liberdade.

Na modernidade, o riso tornou-se zombeteiro, irónico, sarcástico, um riso de protesto e contestação.
Tem os seus próprios códigos e estilos. Às vezes, basta um silêncio, um trejeito, e a casa vem abaixo. Outras vezes, chega uma palavra – o botas – e todos sabiam que se tratava do Oliveira de Santa Comba Dão.

Actualmente, o riso domina os espaços públicos e está presente na imprensa. Os humoristas que arriscam a sátira política dão voz a quem a não tem e garantem a liberdade contra a submissão.

O riso moderno é um instrumento de resistência que ilustra a luta contra o poder e os poderes, um protesto e uma atitude de não conformação.

O humor cria uma nova linguagem. A linguagem da desforra, do manguito e da pedrada, é subversivo e guerrilheiro.
Bruno Nogueira é, para mim, o melhor e mais corajoso representante deste humor que escarnece e ri do poder com o poder do riso.

No seu programa “Tubo de Ensaio”, todos os dias metralha com balas de sátira certeira os costumes pacóvios, as propostas alucinadas e os encartados idiotas.

Para ele não existem bichas sagradas nem espaços invioláveis, e ainda bem, porque só assim o humor que realiza passa boca e tem poder. O humor de Bruno Nogueira é um acto de cidadania: ele faz política com humor, desperta para o ridículo oculto, denuncia cumplicidades de bastidores, alerta para o embuçado.

Se é excessivo é porque tem de ser. Não se combate e enfrenta o mal, a depravação e a corrupção dos que levaram o país ao desastre e se enriqueceram com a fome de crianças e a destruição das famílias com piadinhas de salão.
Isso é para os bobos de quem os poderosos e burgessos gostam tanto para sentar à mesa.

O Bruno Nogueira, com as suas crónicas, interpela-nos, ajuda-nos a aguentar o impensável quotidiano, faz-nos rir e sorrir com o seu humor que é a utilização plena da liberdade.

Não faz prisioneiros. É livre porque a sua consciência é o espaço da sua intervenção.

E agora para acabar:

Um padre estava a avisar os membros da sua congregação sobre o carácter repentino da morte.

– Antes que o dia termine – exclamou, – alguém nesta paróquia irá morrer.

Uma pequena velhota que estava sentada no banco da frente soltou uma sonora gargalhada.
Irritado, o padre perguntou:

– Qual é a piada?

– Ainda bem que não pertenço a esta paróquia – respondeu a velhota.

Consultor de comunicação
Escreve às quintas-feiras

Só entra o hipopótamo


Na modernidade, o riso tornou-se zombeteiro, irónico, sarcástico, um riso de protesto e contestação


Os cientistas explicam que uma diferença essencial e demonstração de inteligência superior entre o ser humano e o animal são o riso e o sorriso. Porém, e conforme vamos privando com as espécies, vamos desconfiando da validade científica da afirmação.

Quando sufocamos com o boçal ministro, reclamamos com um morto-vivo nas finanças, corremos esbaforidos ao agente da EMEL ou ficamos febris com as aventesmas residentes nos canais de TV, declaramos sem remorso “este gajo é um animal”, da mesma forma que não é raro, ao olharmos embevecidos para o nosso cágado, afirmarmos para os amigos “até parece humano, só lhe falta falar”.

Daqui se poderia concluir que existem humanos só assim classificados por tédio e animais que só não são secretários de Estado por puro preconceito.

Heidegger e um hipopótamo chegam às portas do Paraíso e São Pedro diz:

– Escutem, hoje só temos espaço para mais um. Por isso, aquele que me der a melhor resposta à pergunta “qual é o sentido da vida?” entra.

Heidegger responde:

– Pensar explicitamente no Ser em si requer o menosprezo pelo Ser, na medida em que está apenas fundamentado e interpretado em termos de seres e para seres como seu fundamento, como em toda a metafísica.

E antes que o hipopótamo pudesse grunhir, São Pedro volta-se para ele e diz:

– Hoje é o teu dia de sorte, hipopótamo!

Foi Albert Memmi, escritor francês, quem disse que, quando o desesperado não tem outra solução, ri.

Se nos tempos que vivemos é preciso coragem para ter esperança, então para ter sentido de humor, para além de coragem, é necessário anuir que o homem é as suas circunstâncias e que rir é sabedoria de quem tem a convicção de que, por muito duros que sejam os momentos, outros e melhores tempos virão.

As pessoas contam piadas há milhares de anos para lidar com os desafios e os conflitos, e o humor revela muito sobre a nossa humanidade, sobre como pensamos, sentimos e nos relacionamos com os outros.

Ao longo da história, o riso sempre esteve presente. Na Antiguidade era utilizado para suportar os rituais religiosos e oficiais; na Idade Média incorporou-se na cultura popular, provocando a magia da liberdade.

Na modernidade, o riso tornou-se zombeteiro, irónico, sarcástico, um riso de protesto e contestação.
Tem os seus próprios códigos e estilos. Às vezes, basta um silêncio, um trejeito, e a casa vem abaixo. Outras vezes, chega uma palavra – o botas – e todos sabiam que se tratava do Oliveira de Santa Comba Dão.

Actualmente, o riso domina os espaços públicos e está presente na imprensa. Os humoristas que arriscam a sátira política dão voz a quem a não tem e garantem a liberdade contra a submissão.

O riso moderno é um instrumento de resistência que ilustra a luta contra o poder e os poderes, um protesto e uma atitude de não conformação.

O humor cria uma nova linguagem. A linguagem da desforra, do manguito e da pedrada, é subversivo e guerrilheiro.
Bruno Nogueira é, para mim, o melhor e mais corajoso representante deste humor que escarnece e ri do poder com o poder do riso.

No seu programa “Tubo de Ensaio”, todos os dias metralha com balas de sátira certeira os costumes pacóvios, as propostas alucinadas e os encartados idiotas.

Para ele não existem bichas sagradas nem espaços invioláveis, e ainda bem, porque só assim o humor que realiza passa boca e tem poder. O humor de Bruno Nogueira é um acto de cidadania: ele faz política com humor, desperta para o ridículo oculto, denuncia cumplicidades de bastidores, alerta para o embuçado.

Se é excessivo é porque tem de ser. Não se combate e enfrenta o mal, a depravação e a corrupção dos que levaram o país ao desastre e se enriqueceram com a fome de crianças e a destruição das famílias com piadinhas de salão.
Isso é para os bobos de quem os poderosos e burgessos gostam tanto para sentar à mesa.

O Bruno Nogueira, com as suas crónicas, interpela-nos, ajuda-nos a aguentar o impensável quotidiano, faz-nos rir e sorrir com o seu humor que é a utilização plena da liberdade.

Não faz prisioneiros. É livre porque a sua consciência é o espaço da sua intervenção.

E agora para acabar:

Um padre estava a avisar os membros da sua congregação sobre o carácter repentino da morte.

– Antes que o dia termine – exclamou, – alguém nesta paróquia irá morrer.

Uma pequena velhota que estava sentada no banco da frente soltou uma sonora gargalhada.
Irritado, o padre perguntou:

– Qual é a piada?

– Ainda bem que não pertenço a esta paróquia – respondeu a velhota.

Consultor de comunicação
Escreve às quintas-feiras