Fátima. Pode não ter sido assim, mas para a Igreja é tudo uma questão de fé

Fátima. Pode não ter sido assim, mas para a Igreja é tudo uma questão de fé


Hoje são esperados no Santuário de Fátima mais de 200 mil peregrinos. Nem todos são crentes, mas todos chegam cheios de fé.


Católicos e não católicos. Até ateus, “graças a Deus!” Fátima é um fenómeno de natureza afectiva, mas já não é um ponto indiscutível da crença religiosa. “Não preciso acreditar nas aparições na Cova da Iria. Acredito que as crianças interpretaram os sinais com a informação que tinham e cada um tem de encontrar a narrativa que mais o satisfaça”, defende o padre Fernando Calado Rodrigues.

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E para estes peregrinos, mais de 200 mil, Fátima é motivo de esperança. Chegam de todo o mundo, sobretudo do Brasil, mas também da Eslováquia, Estados Unidos, Irlanda, Austrália, Cabo Verde, Colômbia, Filipinas, Gabão e até da Coreia do Sul. De Portugal – Setúbal, Vila Real, Viana do Castelo e Porto – a pé. Mais de 164 peregrinações inscritas no Santuário de Fátima, quase dez mil pessoas. Mas esperam-se, no total, vinte vezes mais.

“Fátima não está em causa, tem um grande valor e tem o seu espaço”, afirma o padre Calado Rodrigues, pároco de uma unidade pastoral junto a Bragança. Se tudo aconteceu assim, é outra história.

“Pode ser-se católico e apostólico e não acreditar em Fátima. A Igreja nunca declarou a mensagem de Fátima como um dogma de fé. Uma coisa é o Evangelho, outra diferente é a mensagem de Fátima”, lembra.

O padre Calado Rodrigues faz “um esforço por estar em comunhão com o que diz a Igreja”. Mas também acredita que “quase todos os padres pensam como ele, embora possam não o verbalizar”.

Então, Fátima e as aparições na Cova da Iria são um logro, uma invenção do clero de Ourém, como escreveu o excomungado Mário Oliveira, o padre da Lixa, como ficou conhecido? Nada disso, garante.

“Aquelas crianças [três pastorinhos] tiveram uma manifestação de Deus. Uma mensagem extraordinária, atendendo que não tinham acesso a uma série de informação que receberam, e isso é o mais extraordinário de tudo, até do que outros milagres que se atribuem a Fátima, como o Milagre do Sol. Eles interpretaram a mensagem com os símbolos que tinham”, diz.

Para o padre Calado Rodrigues o que importa é que, “perante o fenómeno de Fátima, cada pessoa encontre a sua narrativa – como se diz agora”.

O próprio utiliza esta narrativa quando vê que é aquela que mais se adequa ao público para o qual está a falar. “Também em determinado momento Deus falava de uma maneira e hoje fala de outra”.

As pessoas podem ficar escandalizadas, mas são tudo experiências do sagrado traduzidas na vida, assim como o “caminhar sobre as águas. São necessário símbolos para nos comunicarmos e têm de ser os mais adaptados a cada época e contexto”.

No seu caso, até utiliza mais esta linguagem para diálogos inter-religiosos e com aqueles que não acreditam: “Entre católicos sabemos do que estamos a falar”.

Luís Larcher não pensa de forma muito diferente. Foi responsável pelo jornal aliado do Vaticano, o “La Parola”, padre residente em Roma e privou com Ratzinger. Abdicou, casou com uma procuradora de Oeiras e filiou-se no PS.

Sobre Fátima e as aparições diz que “é indiferente que as pessoas acreditem ou deixem de acreditar. É instrumental. Mal da fé que precisa de milagres para se afirmar”, considera.

Este ex-padre acredita na essência dos milagres, “mas na perspectiva da congregação dos santos, têm de ser provados por especialistas, tem de haver sempre cientificidade”. De resto, “Fátima é um fenómeno de natureza afectiva, que faz parte da vida das pessoas, que têm problemas e que os querem ver resolvidos. Andamos sempre à procura do sentido da própria vida, é assim desde o início da humanidade. E num tempo tão egocêntrico como aquele que vivemos isso tem um significado maior”.

Sobre o Papa Francisco e a sua sensibilidade para a questão de Fátima, recorda a afectividade da América Latina em relação a Nossa Senhora e, apesar de ser jesuíta, a sua influência franciscana, a fé dos sentidos. “Este Papa está aberto a tudo o que signifique uma forma de chegar e de ajudar as pessoas, de as ajudar a encontrar e viver em Cristo. Tudo o resto é perder o foco”, diz Larcher.