A recente greve dos pilotos da TAP criou incómodos a muita gente. E seguramente a muitos dos próprios pilotos, atendendo aos níveis de adesão à greve, quaisquer que sejam os números utilizados.
É desnecessário repetir a ladainha em torno do direito à greve e da sua sacralidade constitucional, ideológica e afins. Será tudo isso. Mas nos bancos da faculdade aprende-se também uma coisa, cuja comprovação empírica depois vem com a vida, que é a necessidade de resolução de conflitos entre direitos fundamentais. Os direitos laborais são fundamentais, mas não são absolutos, precisamente porque podem colidir com outros direitos. Desde logo dos demais trabalhadores.
A TAP tem um histórico de conflitualidade laboral que só pode ser explicado com a sua natureza pública e com a realidade em boa parte monopolista da sua actividade. Poucos mais do que eu, que em certo período da vida praticamente vivi a bordo da TAP, respeitam a companhia e os seus trabalhadores. Mas precisamente por isso é quase impossível ver na nóvel luta dos pilotos, uma verdadeira burguesia “à vol d’oiseau”, algo de tão característico em Portugal como inaceitável: o poder de um grupo privilegiado que usa a sua função para defender o seu estatuto, contra os demais trabalhadores e contra o país se preciso for. Dir-se-á: mas todas as lutas laborais, incluindo as mais justas, precisam dos seus mártires. É certo. Mas nem todas arrastam consigo tantos e tão diversificados públicos e agentes económicos como a recente greve dos pilotos da TAP.
A TAP deveria ser privatizada? Tenho sérias dúvidas. A TAP deveria ser privatizada a três meses de eleições legislativas, perante uma alternativa de governo que já disse alto e bom som que discorda do actual modelo de privatização em cima da mesa? Claro que não. Isso justifica a fúria predatória de um grupo profissional que, em última análise, sonha apenas em tornar-se accionista e romper com o seu estatuto de proletários fardados? Não me parece.
Até no tempo do governo dos afectos de António Guterres, a luta por uma TAP moderna e eficaz encontrou resistências violentas. Desde logo dos mesmos pilotos, então obviadas através da requisição civil, figura repetida aliás em Dezembro último.
No contexto das requisições civis de 1997, publicava então a Comissão de Trabalhadores da TAP: “A greve dos pilotos terá tornado mais difícil a privatização, porque evidenciou dificuldades que afastam eventuais interessados.” “Dificuldades” será pois um eufemismo. O que é facto é que a privatização saiu da agenda.
No “website” do Sindicato dos Pilotos, a greve é hoje explicada pela necessidade de ser cumprido um acordo de empresa acordado com os pilotos. Poucos centímetros abaixo, publicitam-se as vantagens dos pilotos associados do sindicato na compra de automóveis Mercedes e no gozo de férias no resort Bom Bom em São Tomé. Proletários de todo o Mundo, uni-vos. E, para essa união, voai TAP.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à treça-feira