Helena também foi tocada pelo Papa: fez o baptismo em Abril no Vaticano e há um ano nunca tinha rezado. Pedro é hoje um economista diferente. Bernardo achou que a igreja era uma fraude e fez as pazes entre fé e ciência.
Helena Lobato, 44 anos
“A mão de deus esteve nisto desde o primeiro momento”
Faz amanhã apenas um ano e desde então tudo mudou na vida de Helena. A pintora de 44 anos estava a passar por um mau momento quando uma reportagem sobre o primeiro ano do pontificado do Papa Francisco fez a diferença. Não sabia sequer rezar um pai-nosso e ao ver as imagens do Papa sentiu que só havia uma coisa a fazer: pedir-lhe ajuda. “Escrevi-lhe e fui imediatamente aos correios”, conta. Ainda hoje estranha a naturalidade com que pesquisou na net a morada do Vaticano. Na carta não contava nada do que estava a passar – o que aliás continua a preferir guardar para si. Pedia a Francisco que, nas suas orações, rezasse por pessoas “como ela”, não baptizadas, para que tivessem luz. Dois meses depois, a resposta do Papa deixaria Helena boquiaberta: desafiava-a a fazer o baptismo no Vaticano.
“Ao início pensei que fosse uma resposta diplomática”, conta Helena. Mas, mal começou a ler a carta, percebeu que era mesmo para ela. Francisco dizia-lhe que iria rezar para que tivesse luz, “mas uma vez que a luz entra na vida das pessoas através do sacramento do baptismo, era para isso que me convidava.” Helena ainda demorou dois meses a responder. “O início da conversão é um momento muito confuso mas depois a fé dá uma grande lucidez”, resume. Agora, à distância, acredita que a sua conversão começou subtilmente em 2013, quando apesar de nunca ter pensado duas vezes em entrar numa igreja nem ter sequer debatido os problemas da religião com nenhum amigo participou num concurso de pintura com o tema Os Artistas e a Fé. “Hoje tenho a certeza de que a mão de Deus esteve nisto desde o início”, diz Helena.
Aprendeu tudo desde o zero, das orações aos significados. Ela que quando casou com um católico tinha pedido dispensa para a família do noivo poder ter a cerimónia na igreja. “Mesmo tendo casado na igreja, nunca tinha sentido qualquer necessidade de me aproximar”, diz Helena, admitindo que a encruzilhada em que se encontrava há um ano está cada vez mais para trás. Percebe Raul Castro quando diz que Francisco o chama a rezar, aconteceu o mesmo com ela. Mas o seu caminho na fé foi mais emocional do que poderia imaginar, implicou o “lado racional” de tentar percebê-la, diz. Por isso demorou dois meses a responder ao Papa, até perceber e aceitar o significado do baptismo. “Não o quis fazer só porque sim. Fui falar com o padre da minha paróquia e comecei na catequese.” Helena, que pensava que só crianças eram baptizadas, fez o baptismo no dia 4 de Abril na Basílica de São Pedro. Conversou com Francisco e ofereceu-lhe um retrato. Foi a única estrangeira no grupo de dez pessoas que o Papa baptizou na Páscoa. Não lhe perguntou por que chamou por ela, mas vê no gesto um sinal de uma igreja mais aberta do que nunca. Mesmo aos que como ela, nunca se sentiram do “grupo.”
Pedro Arroja, 61 anos
“Deus era uma não questão”
Quem diria que a forma de se estar na vida poderia mudar tanto? Pedro Arroja, economista de 61 anos, nasceu e cresceu numa família católica. Foi baptizado e fez a primeira comunhão. Mas durante a maior parte da sua vida, não se interessou por isso. “Como muitos portugueses, ia à igreja em três ocasiões: casamentos, baptizados e funerais.” Até que há uns anos, “a idade e as experiências de vida”, foram começando a puxá-lo para as respostas do catolicismo. “Durante muitos anos Deus era uma não-questão. Mas sendo do mundo académico e estudando além de economia outras áreas, fui começando a aperceber-me que a verdade acerca das questões existenciais, do sentido da vida e da morte, estava na doutrina católica e em nenhuma das outras teorias.”
Começou a ler sobre o assunto e deixou-se inspirar pela obra do Papa Bento XVI. E há cinco anos, quando a mulher foi diagnosticada com um cancro da mama em estado avançado, deu com ele mais próximo de Deus do que nunca. Pediu pela saúde da mulher e ela recuperou. “Não acreditava muito na quimioterapia e hoje posso dizer que acredito em milagres. Fui a pé a Fátima, algo que nunca imaginei fazer.” Mudou espiritualmente mas também profissionalmente. Em coisas simples, exemplifica. “Vemos o fisco a penhorar casas de família. A lei manda e legitima que assim aconteça esgotadas todas as possibilidades, mas a minha pergunta é: a verdade está na lei democrática? Deve o Estado prevalecer sobre a família?”, diz. “Dou comigo a pensar, em relação a assuntos pessoais ou de comunidade como este, o que é que Cristo faria? E hoje, em muitas situações, deito as leis democráticas para o lixo e confio na palavra de Cristo, o que não acontecia antes.” Para Pedro, os gestos de Francisco podem comover, mas encontrou o mesmo em Bento XVI. Na reacção de Castro vê mais um sinal dos tempos, de uma mudança histórica em que até o partidarismo do comunismo pode voltar a dar espaço à fé católica que sempre se manteve nas famílias.
Bernardo Motta, 39 anos
“fiz uma conversão intelectual”
Quando pôde decidir por si, Bernardo assumiu que não queria continuar a ir à missa todos os domingos. E quando ia para fazer vontade aos pais ou a alguém, recusava dizer as orações que tinha aprendido na catequese. “Nunca me achei um ateu, mas pensei que tudo o resto era uma fraude. Chegava ao credo, em que é suposto recapitular a fé católica, e só dizia ‘creio em um só Deus’”.
O afastamento coincidiu com a entrada na faculdade, onde estudou Engenharia Electrotécnica. “Estava num meio onde não se falava de fé e quando se falava era para dizer mal”, lembra. Pela mesma altura começou a ler livros que “conspiravam” sobre a Igreja Católica e viriam a inspirar o fenómeno Dan Brown, como o “O Santo Graal e a Linhagem Sagrada”. Ficou convencido e mais para tentar desmobilizar os amigos do que para redescobrir a fé, acabou por alinhar no final dos 20 em encontros de oração. Pouco depois, contudo, seria ele o apanhado. “Comecei a ler mais ainda e aperceber-me de que se calhar quem estava a mentir eram os autores das teorias de conspiração”, diz. Nunca tinha entrado numa biblioteca com esse propósito e ficou estupefacto ao perceber a quantidade de estudos, de crentes e ateus, acerca do catolicismo, livros que dedicavam centenas de páginas a assuntos que nos bestsellers eram vendidos como verdades em poucas linhas. “Como a ideia do Dan Brown de que os evangelhos só tinham sido escolhidos no Concílio de Niceia no ano 325, que teria sido tudo manipulado muito tempo depois de Jesus.”
Os 16 tomos da História dos Concílios de um monge francês, com mais de 600 páginas cada, tornaram-se os seus manuais de consulta para desmontar as afirmações. “A certa altura comecei a sentir-me completamente aldrabado pelos autores contra a igreja. O Novo Testamento, por exemplo, estava completamente consolidado no primeiro século depois de Cristo.”
Seguiram-se os textos de Bento XVI, que o surpreendeu pela forma também racional como falava da doutrina católica, que em miúdo sempre conhecera apenas dos testemunhos de fé mais emocionais e que não lhe bastavam. Continuava contudo por fazer uma ponte importante: “Sentia-me esmagado pela credibilidade académica do catolicismo, mas como fazer as pazes entre fé e ciência?”, resume. Como é que os milagres podem ser possíveis ou como acreditar que Jesus foi concebido sem um pai terreno?
Nos últimos cinco anos, em que tem organizado debates sobre o tema, encontrou forma de ligar os dois mundos através da filosofia. “Deus não criou o mundo e foi embora mas mantém o mundo em existência. As leis da natureza são fórmulas matemáticas que se deduzem da vontade de Deus”, diz. E se Deus garante que em 99,9% dos casos é preciso um óvulo e um espermatozóide para haver fecundação, pode permitir 0,1% dos casos em que tal não é necessário. “Seria um pouco tolo acreditar que cria o universo e não pode fazer isso”, sorri Bernardo.
Provas? Faltam em muitas afirmações históricas em que resta apenas o testemunho, contrapõe, “por exemplo crer que Júlio César morreu esfaqueado”. Continua a ser possível provar que um esfaqueamento mata, argumentamos. “Mais forte ainda: estamos a falar de algo testemunhado por centenas de pessoas, como a ressurreição, quando seriam coisas que não eram esperadas.” Bernardo não se escusa ao debate, aliás acredita que fará para sempre parte da sua vida. E isso é mais uma mudança na sua “conversão intelectual”. “Não acredito numa fé fossilizada. Enquanto não compreender não desisto e vou estar até morrer a estudar.”